Nossa dor tem desejo
Meus quase 25 anos no ministério presbiteral — ou simplesmente, na vida de padre — e quase duas décadas como psicólogo já me ensinaram uma coisa com clareza: nenhuma dor quer conselhos — ela quer companhia.
Mesmo assim, ainda tem quem trate o sofrimento como um problema técnico. Acontece alguma coisa e já aparece uma receita pronta: “Você precisa sair de casa”, “Tem que pensar positivo”, “Deus sabe o que faz”. Parece automático, como se um conselho bem encaixado tivesse o poder de colar o que quebrou por dentro.
Mas não tem.
A verdade é que dor nenhuma quer ser corrigida. Ela não está pedindo solução — está pedindo abrigo. Quem sofre não quer ser ensinado. Quer ser entendido.
Lembro do dia em que um amigo perdeu o pai. Fui até a casa dele sem saber o que dizer. Cheguei com as mãos vazias, coração pesado e garganta seca. Sentei ao lado dele e fiquei em silêncio. Não trocamos uma palavra por quase uma hora. Só depois ele disse: “Obrigado por ter vindo. Ninguém me olhou no olho até agora.”
Aquilo me ensinou mais do que qualquer livro. Às vezes, o melhor que podemos oferecer é simplesmente estar. Corpo presente. Ouvido atento. Uma respiração que acompanha a outra, como quem diz: “Você não está só.”
O impulso de dar conselhos nasce do desconforto. Ver alguém sofrendo incomoda. A gente quer logo varrer o chão da dor com frases práticas. Mas um conselho, na hora errada, soa como quem interrompe um luto com dicas de produtividade.
Quem já caiu sabe: a mão que ajuda não é a que aponta o caminho — é a que segura firme, do lado.
No fim, a gente esquece os conselhos que ouviu. Mas nunca esquece quem ficou.
Por isso, se puder, seja esse alguém que fica. Não fuja do silêncio dos outros. Não se apresse em preencher o vazio com palavras. Esteja lá — inteiro, disponível, presente. Porque no idioma da dor, a presença é a única tradução que faz sentido.
Pe. José Carlos Ferreira da Silva
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