quinta-feira, 26 de junho de 2025

O LEGADO DAS MULHERES DO CAFÉ DE VARRE-SAI

 

Isabel Menezes 


“O que fazemos nesta vida ecoa na eternidade”(Filme Gladiador)


Chegando a Expocafé/2025, lembrei-me da Expocafé/2023, a primeira e marcante em Varre-Sai. Naquele ano, tomei conhecimento da presença inspiradora de uma cafeicultora vinda de Lambari, MG, Janaina Coffee, para palestrar especialmente às mulheres. Saí mais cedo do colégio e fui prestigiar esse momento, pois a história das mulheres do café é profundamente significativa em Varre-Sai. Apesar da pouca participação, a palestra foi, sem dúvida, um chamado motivacional, um lembrete da força e da presença feminina nas lavouras.

Já em 2024, foi a minha vez. Fui convidada para falar com e sobre as mulheres do café e aceitei com gratidão e senso de responsabilidade. Na minha fala, tracei uma panorâmica da trajetória das mulheres agricultoras de Varre-Sai, ressaltando que não existe sonho impossível. E para reforçar essa ideia, citei Cora Coralina, mulher forte da roça e da palavra: "Mulher da roça eu o sou. Mulher operária, doceira, abelha no seu artesanato, boa cozinheira, boa lavadeira. A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra. Pela minha voz cantam todos os pássaros do mundo. Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se chama Vida. Sou a formiga incansável, diligente, compondo seus abastos."

Disse também que, se quisermos saber se vencemos na vida, devemos olhar de onde partimos. Muitas de nós, mulheres da colônia italiana, somos descendentes de imigrantes. Mas não estamos aqui para ser uma Giorgia Meloni, Primeira-Ministra da Itália, criada para a política, em um ambiente que a preparou para isso. Nosso caminho é outro. É o da vocação.

A mulher do café, seja a “panhadeira”, a meeira, a dona de lavoura ou a empreendedora do café especial, deve evoluir no seu ambiente. Ser excelente naquilo que sabe fazer. A nossa força está no trabalho silencioso, na resistência diária e na sabedoria herdada.

Lembrei, então, das muitas mulheres que fizeram a história agrícola de Varre-Sai:

As índias Puris, que miscigenaram e se tornaram importantes senhoras de fazenda, impedindo que a raça indígena sucumbisse, mas sim sobrevivesse na linhagem feminina em cada um dos varre-saienses. Cada família de Varre-Sai, possui uma história de uma ancestral índia.

Dona Inácia, cujo nome batiza nossa cidade, símbolo de ordem, limpeza e movimento;

Dona Maria Angélica Magalhães, esposa de Felicíssimo Faria Salgado, que comandava a casa e a lavoura quando ele viajava, como na feira do café do século XIX no Rio;

As escravas negras, que atuaram dentro e fora das casas, nos terreiros e nas hortas, sempre invisíveis, mas essenciais;

Ana de Jesus, da Cruz da Ana, jovem que enfrentou com coragem as ameaças do jagunço;

D. Chiquinha, esposa do Sr. Bernardino, que plantou a primeira muda de murta em frente à casa da D. Amália Sobreira, de onde saíram as sementes para todas as outras que existem na cidade;

As filhas do Sr. Joaquim Ladislau, mulheres multifuncionais na lavoura e até na carpintaria;

As mulheres italianas, meeiras, que transformaram suor em propriedade, que fizeram o pão, o vinho, o macarrão, como dona Santa Constantini, pioneira no vinho de jabuticaba em Varre-Sai;

Dona Albertina, parteira, sem salário nem relógio, que acolhia com mãos generosas;

Dona Maria Bendia, que com pão e afeto fez de sua casa um lar que era exemplo de bondade e acolhimento;

Minha mãe, Luzia, analfabeta, mas sábia em histórias, em flores, em vida, inspiração para meu livro Luzia e o Bicho Folharal.

Elas viveram da agricultura familiar, plantando para viver, vendendo o que sobrava. Conquistas como o FUNRURAL (1971) garantiram aposentadoria às mulheres rurais; e o PRONAF (1996) fortaleceu ainda mais essa agricultura viva e feminina. Mesmo com a extinção do FUNRURAL em 1988, a aposentadoria via INSS foi uma vitória concreta.

Em 2023 colhemos os frutos desse legado. O café especial Rodolphi foi classificado entre os 150 melhores do Brasil, e a mulher esteve lá, sempre ao lado.

A mulher do café atual é técnica. Tem moto, carro, torrador elétrico ou a gás. Cuida da horta, rega, planta, colhe, organiza. Quando os homens fazem os canteiros e trazem o esterco, ela dá vida ao que ali cresce.

“Progresso, sim. Negação de nossa memória, não!” Já dizia Nazirinha Vargas. Sejamos gratos a essas mulheres do passado e do presente. Que o futuro seja brilhante, alicerçado nessas bases fortes.

E deixei uma reflexão de Emerson:

“Faça do seu trabalho árduo um sonho, algo elevado, sua razão de viver e você será vista como uma mulher diferenciada e sua vida ganhará um sentido.” 

E se você quer vencer o medo, não fique parada pensando. Vá para fora. Faça. Viva. Trabalhe. Transforme.

Este é o legado das mulheres do café. Qual será o seu?

Espero vocês no lançamento do meu livro Arábica, um conto da terra do café, domingo, dia 29/06, as 11 horas, na Expocafé/2025.

Isabel Menezes é professora e historiadora



Nenhum comentário:

Postar um comentário