quinta-feira, 10 de julho de 2025

O Silêncio dos Livros

 


"Tractatus Historico-Dogmatici", de J.F. de Groot, ladeado de manuscrito em latim de Padre Antônio Francisco de Mello, com carimbo da biblioteca do dr Márcio Pacheco 


Após a morte do açoriano  Padre Antônio Francisco de Mello, em 13 de agosto de 1947, em Bom Jesus do Itabapoana, sua vasta biblioteca — que incluía raridades teológicas, manuscritos em latim, grego e francês, além de anotações pessoais — simplesmente desapareceu. 

Ninguém soube dizer onde foram parar os livros. Com o tempo, o caso caiu no esquecimento… até que, meio século depois, dr Márcio Pacheco entra num alfarrábio repleto de poeira em uma rua estreita de Lisboa. Os alfarrábios em Lisboa são espaços repletos de história, com corredores estreitos e cheiros de livros antigos. Em seus interiores, ouve-se o eco das folhas sussurrando.

Pacheco encontra, então, documentos e um exemplar de "Tractatus historico-dogmatici", de Joannes F. de Groot, ladeado de manuscrito em latim. Algo naquele volume chama sua atenção: escritos em latim, junto ao texto do notável autor jesuíta, que somente depois, em sua casa, constatou ser a caligrafia de Padre Mello.

Como essa obra e seus manuscritos teriam chegado a Lisboa? Teriam sido enviadas a parentes do pároco nos Açores ou Portugal? Sua biblioteca teria sido deliberadamente dispersa para esconder seus manuscritos? Mello poderia ter sido silenciado por suas ideias eclesiásticas? 

Um padre erudito, uma biblioteca desaparecida, manuscritos raros e livros que ressurgem misteriosamente em Lisboa décadas depois — tudo envolto em um véu de mistério.

Cada livro encontrado traz não apenas conhecimento teológico, mas pistas ocultas sobre o próprio destino de Padre Mello — e talvez um segredo que poderia mudar a compreensão da nossa história.

O "Tractatus' e os escritos de Padre Mello, em latim, lembram a frase: "Ad perpetuam memoriam. A verdade está nos marginalia." Ad perpetuam memoriam significa "para que fique registrado para sempre". Já a segunda parte, "A verdade está nos marginalia", sugere que a verdade pode ser encontrada em detalhes, notas adicionais ou informações secundárias, muitas vezes ignoradas ou consideradas de menor importância.

Dr Márcio Pacheco pretende doar toda a sua biblioteca para Bom Jesus do Itabapoana, que consiste em cerca de 1500 exemplares, inclusive os manuscritos e livros que foram identificados como integrantes da antiga biblioteca de Padre Mello.

Resolveu, contudo, antecipar o envio a Bom Jesus do livro "Tractatus historico-dogmatici", apondo uma dedicatória sua. O donatário do pacote, representante da comunidade bonjesuense, é o memorialista Gino Martins Borges Bastos. O livro fez o trajeto físico e seus pensamentos dialogam sobre o significado da obra.

Gino recebeu o volume e o abriu com afeto quase cerimonial: o odor do papel e o peso do segredo ancestral se instalam na sala. Lá dentro, além do livro, há uma dedicatória de Márcio explicando a origem inesperada. O abrir o pacote com reverência é como se devolver um espírito esquecido e dar início à restituição de um legado olvidado.

Dedicatória do dr Márcio Pacheco no livro Tractatus historico-dogmatici", de Joannes F. de Groot.









2 comentários:

  1. Nossa! Que fato inusitado! Parabéns a quem encontrou e doou e ao dr. Gino pela competência em receber esse tesouro histórico.

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  2. Essa história é fascinante!❤️
    O reaparecimento do livro de Padre Mello em Lisboa após décadas é um verdadeiro achado, e a devolução do livro a Bom Jesus do Itabapoana é um gesto simbólico de restituição de um legado cultural valioso.

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