quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

CRÔNICA DE TARCÍSIO BORGES








Aproximando a Assunção, a comunidade celebrava – dobres de sinos, missas e procissão.

À noite, no botequim, reuniam-se uns amigos. Bebiam e conversavam, dando boas risadas. Por vezes falavam de coisas inexistentes, como os latifúndios. Eram amigos ou parentes com mais de duzentos anos de história e respeito.

Um Corpo Estranho, tolerado pelo sistema imune comercial, fora introduzido recentemente, efeito maléfico da modernidade, telefonia móvel e internet. Com bravatas e mentiras, o intruso fez o seu próprio diagnóstico: misoginia, misantropia e racismo. Dava náuseas num frasco de Plasil! Mas o comércio ia lhe ganhando o dinheiro, e o engolia, aumentando as alcunhas. Mentiroso, Cotoco, Piquira.

A turma sorria, olhavam uns nos outros, e iam tangendo a boiada. Lamparina dava mostra de exaustão.

Numa noite, vinha de lá a procissão. O boteco arriou as portas até faltar um metro para fechá-las, deixando pernas à mostra. Era o sinal de respeito da convenção.

Lamparina viu a multidão, e deu o alarme. Estava cansado. Passara o dia no arquivo, lendo e pesquisando. Parece que escrevia umas coisas.

A procissão passando, Corpo Estranho disse: “Vontade de ir lá e derrubar tudo, espalhar todo mundo”. Lamparina aproximou-se da parede em frente ao balcão, e retirou do suporte uma vassoura. Pondo-se em posição de ataque, respondeu: “Experimenta”. Corpo Estranho indagou: “O que vai acontecer? Eles vão me bater?” Lamparina disse: “Eles, eu não sei”. E o boteco inteiro gritou: “Mas nós vamos!”.


Tarcísio Borges, nascido em Bom Jesus do Itabapoana, é médico e escritor

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