O Pe. ANTÔNIO VIEIRA (18 de Julho)
Neste dia [18 de Julho], pela uma hora depois da meia-noite, no ano de 1697 contando noventa de idade, faleceu na Bahia o Padre António Vieira, da Companhia de Jesus, Prégador dos Reis Dom João IV, Dom Afonso VI, Dom Pedro II e sem controvérsia Rei dos Prégadores. Foi Varão digno de memória imortal. Insignemente grande em ciências, e notícias. Assim resplandecia em todas, como se houvera sido Mestre em cada uma. Na arte concionatória, foi sem contradição o Juiz, ou (para que o digamos com mais alta comparação, e mais própria) o Fenix. Seguiu este felicíssimo engenho na estrutura dos seus Sermões uma nova ideia, um novo método. Alguns o rastejaram antes: muitos o quiseram imitar depois, mas uns, e outros com aquela diferença, que vai da luz das Estrelas aos resplandores do Sol. Os maiores homens, os mais insignes lhe abaixam a cabeça, e com o dedo na boca lhe rendem a primazia. Se há algum, que diga, ou presuma o contrário, nem é insigne, nem é grande, nem é homem. Não negamos a eminência de muitos Oradores dos nossos tempos (posto, que a negue a inveja, ou a ignorância) mas estes, tanto excederam aos mais, quanto mais se chegaram a beber das águas desta fonte, a participar dos raios desta luz.
Nos seus Sermões, assim tira os assuntos das entranhas do Evangelho, que vem nascendo dele, e delas, assim os define, os reparte, os veste; assim os funda, os prova, os confirma; assim os exorta, os ilustra, os realça; com tão subidos conceitos, com pensamentos tão novos, tão esquisitos, com reflexões tão agudas, e tão sólidas, com documentos tão altos, com erudição tão vasta, e tão selecta, com frase tão natural, e tão pura, com tanto asseio sem artifício, tanta gala sem afectação, com tanta vivacidade de engenho, tanta profundidade de juízo, com tanto peso de razões, tão ajustado nas premissas, tão formal nas consequências, tão douto, tão elevado, tão elegante, tão sublime, que deixa absorta, e suspensa a mesma admiração, e transcendem todo o elogia.
Nos pontos mais dificultosos da Teologia especulativa, Moral, Dogmática, e Ascética, usa de termos tão claros, e tão próprios, de exemplos tão naturais, de comparações tão adequadas, e bem trazidas, que se deixa entender facilmente, ainda dos entendimentos mais rudes, ou menos cultivados. Pelo mesmo modo discorre em qualquer das outras ciências, quando chega a tratar delas. Até nas artes mais humildes, e nos empregos mais alheios da sua profissão, fala com tanta propriedade, e miudeza, como se os professara. Nos da guerra, como se fora soldado, nos do mar como se fora piloto, nos do campo, como se fora lavrador, e até nos do jogo (não se pode encarecer mais) como se fora taful.
Na inteligência, e exposição das Escrituras é um prodígio singular: assim ajusta os textos aos seus discursos, que parecem trazidos, ou achados com lume superior. Por onde os outros passaram sem advertência, ali descobre as dúvidas mais agudas, e mais selectas, e as resolve, e desata com tanta proporção ao seu intento, como se só para ele fora feito o texto, e o reparo. Nos ditames da política se remontou com superiores voos; o amor da Pátria, o crédito da nação o constrangeram por vezes a falar em público sobre as novidades do seu tempo, que foram as maiores, que em muitos séculos se viram em Portugal. As mesmas o obrigaram a exortar, e advertir, e, talvez, repreender ao povo, à Nobreza, e até às mesmas Majestades; o que fez com estilo excelso, e sublime, e com tanta valentia, como prudência. Disse as verdades sem temor, mas com tento: soube unir a liberdade com a madureza, a doutrina com a doçura. Nos Sermões panegíricos, abstraindo de exagerações vãs, e de comparações pueris, louva os Santos, engrandece os mistérios com discretísimas ideias, sólidas, bizarras, engenhosas, e a toda a luz admiráveis, e plausíveis. Nos Sermões Doutrinais é um fortíssimo propugnador das virtudes, expugnador dos vícios, valendo-se de argumentos, e consequência tão fortes, e tão suaves, que bastam a vencer, e convencer a obstinação mais cega, a cegueira mais obstinada. E, para que o siga de uma vez, com os seus sermões assim enriquece a memória, assim lisonjeia o entendimento, assim renda a vontade, assim se insinua ao coração, que justamente é, e merece ser tido por um dos maiores milagres do engenho, e agudeza, que já mais viu o Mundo.
Ainda assim houve naqueles tempo quem prégava melhor, que o Padre António Vieira; mas era o mesmo Padre em diferentes Sermões; em qualquer dos seus excedia aos outros Prégadores, em alguns se excedeu a si mesmo. As cinco Pedras de David são cinco riquíssimos Diamantes, com que se coroa no templo da fama o simulacro da agudeza. Os dois sermões da Profissão, e das Exéquias são duas colunas do mesmo templo, gravado nelas o antigo Non plus ultra. No Sermão do Evangelista se remontou como Águia. Aos quatros Juízos do Advento nada chega. O Sermão da Quinquagésima é o o Sermão dos Sermões, e assim outros. Mas que maior prova da excelência deles, que as estimações de todo o Orbe Católico! Foram elas tantas, e tais, que não sabemos, que alguém nos nossos tempo as lograsse iguais, nem semelhantes. Por maiores, que fosse o Templo em que prégava o Padre Vieira, já nele ao romper da manhã não havia quem pudesse romper com gente; concorria toda a Nobreza de um, e outro sexo, concorriam os sujeitos mais graves de todas as sagradas Religiões [ordens religiosas], concorria o mais selecto, e mais luzido do Povo. Ouviam-se as suas vozes com igual silêncio, e admiração de todos: até a mesma inveja emudecia. Na cabeça do Mundo logrou os maiores aplausos. Todos os Cardeais, Prelados, e homens insignes, que seguiam a Côrte Romana o ouviam, como a Oráculo da eloquência. A Sereníssima senhora Cristina Alexandra, Rainha de Suécia, o tratou com singularíssimas expressões de Real afecto, reputando por grande glória ouvir da sua Capela (como ouviu por muitas vezes) um tão afamado Orador; às Nações, e Províncias da Cristandade, aonde não chegou em pessoa, chegou a sua fama, e deu nelas um tão estrondoso brado, que todas procuravam com ambiciosa emulação os seus escritos, e os verteu cada uma no seu próprio idioma. No Português, temos as suas obras reduzidas hoje a quinze tomos. Deseja-se com universal expectação o Clavis Prophetarum. Que ele confessa fora o maior desvelo dos seus estudos. O que é argumento evidente de ser aquela obra um parto incomparavelmente prodigioso, uma joia de preço inestimável.
Este homem tão grande, tão insigne, tão venerado por suas letras, e sabedoria, ainda se fez, e foi maior homem pelo desengano, com que metendo debaixo dos pés as estimações (verdadeiramente vaidades) do Mundo, da Côrte se retirou dela, e dele para o Maranhão, trocando os Palácios, em que eram admitido pelas choças de colmo: a graça, e valia com os Reis, e primeiros Senhores de Portugal, pelo trato com homens despidos, ferozes, e quase brutos: o descanso, e delícias, que puderam lograr, se quisera, por infinitos trabalhos, e perigos: os cargos, e dignidades, que lhe foram oferecidas, por grandes perseguições, e desprezos, a que se sacrificou, e padeceu, sem outro fim, ou interesse mais que o de salvar almas daquela numerosa, e inculta gentilidade. Vários acidentes (que não são do nosso assunto) o trouxeram a Portugal, e o levaram a Roma, donde voltando outra vez a Portugal, se retirou finalmente par ao Brasil, fazendo, como novo Sol, um perfeito círculo tão luzido como dilatado.
Fonte: santozelo.blogspot.com
Enviado por Antônio Soares Borges
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