domingo, 17 de agosto de 2025

Basta de insultar os vira-latas

                           Por Gino Martins Borges Bastos 



Não me sinto confortável quando ouço alguém dizer que o brasileiro tem um “complexo de vira-lata”.

A expressão, cristalizada no vocabulário nacional, me soa como uma injustiça.

Nelson Rodrigues a definiu como a inferioridade voluntária do brasileiro diante do mundo: um narcisismo às avessas, em que cuspimos na própria imagem, incapazes de encontrar pretextos históricos ou pessoais para a autoestima. E sim, é verdade: há brasileiros que carregam dentro de si esse peso de menos-valia, como quem projeta para fora a miséria e a sordidez que habitam por dentro. Freud já havia nomeado esse mecanismo: projeção. O que se grita contra o mundo é, no fundo, um grito contra si.

Não discordo de Rodrigues quanto ao fenômeno.

Discordo, sim, do batismo cruel que ele lhe deu.

Os vira-latas não merecem ser emblema de inferioridade. Ao contrário: são inteligentes, leais, resistentes. Têm no sangue a diversidade que os torna fortes, adaptáveis a qualquer espaço ou vida. São brincalhões, amorosos, parceiros que trazem alegria e ternura.

O sentimento de inferioridade que ainda marca muitos brasileiros precisa ser nomeado de outro modo. Chamemo-lo de complexo de sombra, de autoabandono, de espelho quebrado. Mas não o chamemos de vira-lata.

É tempo de parar de cuspir também neles.

Basta de insultar os vira-latas, esses mestres da sobrevivência, da doçura e da resistência.


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