Delton de Mattos |
Em agosto de 1949, publicou-se na revista Alliance, em São Paulo, um estudo de Romeu Couto com o título "Octacílio de Aquino, Poeta Bissexto", aproveitando a definição de Manoel Bandeira em sua Antologia que incluiu poemas de Aurélio Buarque de Holanda, Euclides da Cunha, Gilberto Freire, Peregrino Júnior e Tristão de Ataíde, dentre outros nomes m ais conhecidos por suas produções em porosa. Lembra Romeu:
"Bissexto, na definição de Manoel Bandeira, é o poeta em cuja vida o poema acontece como o 29 de fevereiro do ano civil; é aquele que só se encontra em estado de graça de raro em raro". Para Vinícius de Moraes, o fato de o poeta não ter livros de versos publicados é condição essencial à situação de bissexto. A seu ver, o que melhor caracteriza o poeta bissexto é, numa palavra, a escassez de produção. Transcrevo a seguir a íntegra do estudo de Romeu Couto:
"Serão os poetas bissextos, porém, qualitativamente inferiores aos digamos de carreira, à queles aos quais Pedro Dantas chama com tanta graça de "contumazes"? Não necessariamente, eis a resposta. Sem embargo de sua fraca possibilidade produtiva, de sua quase nula fecundidade, podem eles ser bons poetas, capazes de, no futuro, figurarem ao lado dos melhores autores de poesia. A qualidade de bissextos, longe de diminuir-lhes o valor, antes lhes dão certo "vago encanto" a que é tão sensível o organizador de sua antologia.
Sim, porque existe uma "Antologia de poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos", carinhosamente preparada por Manuel Bandeira, em cuja introdução se encontra respectiva doutrina. A par de outros poetas igualmente raros, aí aparecem assinando versos os insuspeitados e ilustre nomes de Aurélio Buarque de Hollanda (o famoso dicionário), Euclydes da Cunha, Gilberto Freyre, Peregrino Júnior, Tristão de Atauyde e outros nomes do mesmo porte.
Poeta bissexto, pois, rigorosamente bissexto, é o meu amigo Octacílio de Aquino, o qual, filho maias amoroso de nós outros, lá continua em Bom Jesus do Itabapoana, sem a necessária capacidade de ingratidão para abandonar a comum terra natal, de onde nos brinda, de largo em largo, com a sua bissextíssima produção, a qualidade de sua poesia, porém, como aliás de tudo que lhe sai das mãos, é simplesmente admirável. Um de seus últimos sonetos, "Ruth", chega a ser primoroso. Segundo penso, Olavo Bilac, cognominado "Príncipe dos poetas brasileiros", não fora mais feliz, cerca de um quarto de século antes, ao explorar o mesmo tema bíblico. Seria essa minha afirmação meramente de cunho bairrista? Não creio. Para melhor juízo, entretanto, vejamos os sonetos xarás, pois o confronto é indispensável à inteligência do que afirmo. Eis o "Ruth" do notável artista de "Tarde", indiscutivelmente um dos maiores poetas nacionais de todos os tempos:
Pede pouco! Mais tem do que um monarca
O pobre, tendo o pouco que pedia:
É rico, achando, ao terminar do dia,
Paz no espírito e pão no fundo da arca.
Triste, hó! alma, a ambição que o mundo abarca!
Perde tudo quem quer em demasia.
Poupa o riso e o prazer! Porque a alegria
Tanto é mais doce quanto mais é parca.
Feliz, modesto coração,
Te dizes quando vais, como Ruth, em muda prece,
Em pós dos cegadores mais felizes:
Feliz é o simples, que, feliz, procura
Uma espiga apanhar da alheia messe,
Um resto miserável de ventura.
Agora, o "Ruth", de Octacílio de Aquino, o poeta bissexto conterrâneo:
Chegas bem tarde, em todos os moinhos
Já se acumula o pão para os celeiros;
Já descansam, no solo, os malhadeiros,
Neste trigal e nos trigais vizinhos...
E o que ficou, além de alguns espinhos,
À passagem dos últimos cefeiros,
São migalhas aos vermes, nos caminhos...
Mas desse pouco, em breve, em tuas mãos,
No que apanharam, ceifadora eleita,
A trabalhar, talvez, por todos nós,
Que fartura de espigas é de grãos?
Foi, até hoje, a mais feliz colheita
Que o mundo viu nos campos de Booz..."
(Especial para a Revista Alliance - SP
Agosto de 1949)
(extraído do livro ANTOLOGIA, editado por Delton de Mattos)
Octacílio de Aquino |
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