quinta-feira, 5 de junho de 2014

Nota para a história de Bom Jesus



                          Elcio Xavier
(publicado em O Norte Fluminense, na edição de 25/12/1951)
                               

Bom Jesus, cidade com cem anos de existência e glorioso passado, não pode, de nenhum modo, permitir que suas relíquias se desfaçam na voracidade do tempo e seus edificadores, bravos homens que a fizeram surgir da terra virgem, sejam criminosamente esquecidos pelas gerações que se sucedem. Urge, portanto, que se registre com fidelidade o nascimento e a evolução desta comunidade que teve o privilégio de nascer no formoso Vale do Itabapoana e cujo desenvolvimento econômico e cultural venceu fronteiras e dominou extensa região. Já é tempo de se processar o recolhimento dos documentos necessários a elaboração de sua história. 


Devem existir os velhos alfarrábios do escrivão, os perfurados registros batismais, cartas amarelecidas no fundo dos baús e a memória dos octogenários. Sim, a palavra evocativa desses velhos desbravadores do século passado,  os quais vão sem que seus filhos e netos recebam a chave mística das andanças de 1870, 1880, 1900, etc., muito poderá dizer ao historiador de fundamental e inexistente nos arquivos.


Também existem antigos jornais, como “A Paróquia”, descrevendo a história da nossa torre, com seus altaneiros 22 metros e o belo título de mais alta do Estado, como arrojado feito da engenharia do inesquecível pároco Antonio Francisco de Mello. E o “Vagalume”, por cujas páginas se poderá tomar contato com o período áureo da cidade (naquela época, por ironia, apenas Vila) e saber-se das festas mundanas, dos carnavais de limão de cheiro e das  “Crianças Loucas”, dos cinemas mudos onde as orquestras executavam boa música e a plateia sabia ver William Farnum; e dos concertos, conferências, saraus...


Mais recente, porém inegável valor documentário, ainda se ouve o nome de “O Momento”, e aos nossos dias chega a “A Voz do Povo” ambos sob a direção de Osório Carneiro, onde a invulgar pena do Padre Mello lançou “O Meu Campinho”  as bases para o levantamento histórico e geográfico da cidade.


Enumerando as escassas fontes históricas que meu cérebro de ausente ainda retém, sinto um frêmito pelo corpo e  o desejo irrefreável de cair no devaneio, de determinar romanticamente os capítulos do livro que gostaria de escrever, fugindo do método de formação etnográfica. Fascinam-me “As Liras Bonjesuenses”, de tão saudosa memória e não posso me furtar à necessidade de abandonar o tom inicial desta Nota e falar da primeira Corporação Musical, fundada por volta de 1880, com Quincas Bastos, Candoca, João Reduzino, João e Nhonhô Fragoso, Euzébio Sales e muitos outros; e da segunda, de garotos, sob a batuta do exímio maestro Feliz (Felix Joaquim de Souza Machado); e da Lira da Mocidade, da Democrata e da Banda do Tiro de Guerra 307, talvez a melhor, com suas 28 figuras fazendo vibrar de entusiasmo a cidade com os acordes de “13 de Maio” e o garbo dos jovens soldados no desfile marcial. E da Lira de Operários, e da Futurista...


Em outro capítulo poderia incluir o “Foot-Ball”, com a história do Olímpico, do Fluminense e do Ordem e Progresso, dos tempos menos técnicos, porém mais ardorosos e emocionantes do Bonde, do Neném, do Barriguinha, do Tião, do Alencar e tantos outros nomes que rodopiam em minha cabeça e embaralham  as ideias.


E poderia falar sobre o carnaval. Oh! Carnaval em Bom Jesus! E sobre as pontes, a enchente de 1902, o largo da Matriz onde cabras passeavam  no vassoural miúdo e mocinhas alvas transitavam para a missa de domingo; e das fazendas patriarcais onde pianos choravam no silêncio da sala deserta e cativos gemiam nas senzalas. 


Mas não poderia esquecer os vultos eminentes de minha terra: Chico Teixeira, o homem-dínamo, Pedroca, o boticário de virtudes inumeráveis, Carlos Xavier, o amoroso e suave, Carlos Firmo, Quincas Bastos e inúmeros outros. E Padre Mello, centro de gravidade sob o qual despontaram três gerações bonjesuenses.


Propus-me levantar uma questão de interesse imediato para minha cidade natal: indicar a necessidade do arrolamento de suas provas documentárias quer por parte da municipalidade, quer pelos seus homens de letras. Lancei meu brado e apenas me move o desejo de vê-lo bem aceito e compreendido pelos que dela tomarem conhecimento.

Emoção: Elcio Xavier e o túmulo de Padre Mello - que o batizou - no interior da Igreja Matriz em que foi coroinha, no dia 02 de maio de 2014,  62 anos após o artigo para O Norte Fluminense

Um comentário:

  1. Olá, Gustavo!
    Conheço algumas histórias folclóricas sobre o padre Mello, mas apenas de ouvir falar. Posso enviá-las. Grande abraço, Ana Maria.

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