Elcio Xavier
(publicado em O Norte Fluminense, na edição de 25/12/1951)
Bom Jesus,
cidade com cem anos de existência e glorioso passado, não pode, de nenhum modo,
permitir que suas relíquias se desfaçam na voracidade do tempo e seus
edificadores, bravos homens que a fizeram surgir da terra virgem, sejam
criminosamente esquecidos pelas gerações que se sucedem. Urge, portanto, que se
registre com fidelidade o nascimento e a evolução desta comunidade que teve o
privilégio de nascer no formoso Vale do Itabapoana e cujo desenvolvimento
econômico e cultural venceu fronteiras e dominou extensa região. Já é tempo de
se processar o recolhimento dos documentos necessários a elaboração de sua
história.
Devem existir
os velhos alfarrábios do escrivão, os perfurados registros batismais, cartas
amarelecidas no fundo dos baús e a memória dos octogenários. Sim, a palavra
evocativa desses velhos desbravadores do século passado, os quais vão sem que seus filhos e netos
recebam a chave mística das andanças de 1870, 1880, 1900, etc., muito poderá
dizer ao historiador de fundamental e inexistente nos arquivos.
Também
existem antigos jornais, como “A Paróquia”, descrevendo a história da nossa
torre, com seus altaneiros 22 metros e o belo título de mais alta do Estado,
como arrojado feito da engenharia do inesquecível pároco Antonio Francisco de
Mello. E o “Vagalume”, por cujas páginas se poderá tomar contato com o período
áureo da cidade (naquela época, por ironia, apenas Vila) e saber-se das festas
mundanas, dos carnavais de limão de cheiro e das “Crianças Loucas”, dos cinemas mudos onde as
orquestras executavam boa música e a plateia sabia ver William Farnum; e dos
concertos, conferências, saraus...
Mais recente,
porém inegável valor documentário, ainda se ouve o nome de “O Momento”, e aos
nossos dias chega a “A Voz do Povo” ambos sob a direção de Osório Carneiro,
onde a invulgar pena do Padre Mello lançou “O Meu Campinho” as bases para o levantamento histórico e
geográfico da cidade.
Enumerando as
escassas fontes históricas que meu cérebro de ausente ainda retém, sinto um
frêmito pelo corpo e o desejo
irrefreável de cair no devaneio, de determinar romanticamente os capítulos do
livro que gostaria de escrever, fugindo do método de formação etnográfica.
Fascinam-me “As Liras Bonjesuenses”, de tão saudosa memória e não posso me
furtar à necessidade de abandonar o tom inicial desta Nota e falar da primeira
Corporação Musical, fundada por volta de 1880, com Quincas Bastos, Candoca,
João Reduzino, João e Nhonhô Fragoso, Euzébio Sales e muitos outros; e da
segunda, de garotos, sob a batuta do exímio maestro Feliz (Felix Joaquim de
Souza Machado); e da Lira da Mocidade, da Democrata e da Banda do Tiro de
Guerra 307, talvez a melhor, com suas 28 figuras fazendo vibrar de entusiasmo a
cidade com os acordes de “13 de Maio” e o garbo dos jovens soldados no desfile
marcial. E da Lira de Operários, e da Futurista...
Em outro
capítulo poderia incluir o “Foot-Ball”, com a história do Olímpico, do
Fluminense e do Ordem e Progresso, dos tempos menos técnicos, porém mais
ardorosos e emocionantes do Bonde, do Neném, do Barriguinha, do Tião, do
Alencar e tantos outros nomes que rodopiam em minha cabeça e embaralham as ideias.
E poderia
falar sobre o carnaval. Oh! Carnaval em Bom Jesus! E sobre as pontes, a
enchente de 1902, o largo da Matriz onde cabras passeavam no vassoural miúdo e mocinhas alvas
transitavam para a missa de domingo; e das fazendas patriarcais onde pianos
choravam no silêncio da sala deserta e cativos gemiam nas senzalas.
Mas não
poderia esquecer os vultos eminentes de minha terra: Chico Teixeira, o
homem-dínamo, Pedroca, o boticário de virtudes inumeráveis, Carlos Xavier, o
amoroso e suave, Carlos Firmo, Quincas Bastos e inúmeros outros. E Padre Mello,
centro de gravidade sob o qual despontaram três gerações bonjesuenses.
Emoção: Elcio Xavier e o túmulo de Padre Mello - que o batizou - no interior da Igreja Matriz em que foi coroinha, no dia 02 de maio de 2014, 62 anos após o artigo para O Norte Fluminense |
Olá, Gustavo!
ResponderExcluirConheço algumas histórias folclóricas sobre o padre Mello, mas apenas de ouvir falar. Posso enviá-las. Grande abraço, Ana Maria.