sábado, 28 de fevereiro de 2015




Pobres ricos
 
                    Luciano Rezende

A geração dos que nasceram após a década de 1990 certamente não vai se lembrar, mas todos os que nascemos antes disso trazemos na memória a fuga de brasileiros rumo aos Estados Unidos em busca de trabalho.

Muitos desses brasileiros saíam ilegalmente rumo aos EUA, sem eira nem beira, para trabalhar no que fosse possível. Obviamente, como eram clandestinos, aceitavam as piores tarefas e as mais baixas remunerações, totalmente excluídos de qualquer tipo de direito trabalhista ou da formalidade.

Como mineiro que sou, e pertencente a uma geração que nasceu na década de 1970, me lembro perfeitamente da menção depreciativa que se faziam da linda cidade de Governador Valadares. O município que abriga o Pico do Ibituruna era conhecido como Governador “Valadólares” em alusão à quantidade de cidadãos que, sem opção de emprego no Brasil, eram impelidos a buscarem dólares americanos para enviar às suas famílias que ficavam por aqui. Em 2002 (último ano do Governo FHC), a cidade tinha 250 mil habitantes, sendo que mais de 40 mil viviam nos Estados Unidos.

Isso acontecia por todo o país e era amplamente divulgado pela imprensa. Brasileiros sem perspectivas de vida abandonavam seu país, suas famílias e amigos, em busca de dias melhores. Não lhes restavam alternativas.

Hoje isso mudou. Milhões de brasileiros, desde a primeira eleição de Lula, voltaram ao nosso país justamente por aquilo que internamente nossa mídia oculta dia e noite: o aumento sucessivo da renda e a diminuição do desemprego.

Segundo relatório da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE, entre 2001 e 2011 a renda per capita das famílias brasileiras cresceu 32,6% (2,9% ao ano), passando de R$ 591 para R$ 783,00. A pesquisa mostra ainda que, entre a classe média, o ritmo de crescimento da renda foi acima da média. Nos últimos dez anos, o rendimento per capita desse grupo passou de R$ 382 para R$ 576, variação de 50%, ou 4,2% ao ano. O estudo destaca que o número de postos de trabalho cresceu 20% no período com ampliação de 16 milhões de vagas, passando de 76 milhões em 2001 para 92 milhões em 2011, o que consequentemente levou a uma queda na taxa de desemprego.

Esses são alguns números, comprovados por vários outros estudos de diversas instituições e universidades, que nos ajudam a entender como o Brasil conseguiu reverter o êxodo de sua população em busca de dias melhores em outros países.

Mas por incrível que pareça, por uma dessas ironias da vida, há aqueles que estão deixando o nosso país por outro motivo, diferente da falta de perspectiva de emprego ou da diminuição da renda: a insatisfação com esse novo Brasil que vai surgindo.

De acordo com a reportagem do The Wall Street Journal Americas de 09/02, "já faz décadas que os ricos e poderosos do Brasil vêm adquirindo imóveis de luxo em Miami e comprando vorazmente nas lojas de Bal Harbour. Nos últimos meses, porém, um bom número de brasileiros reagiu à reeleição de Dilma Rousseff decidindo fincar raízes mais duradouras na região de Miami".

Pobres ricos brasileiros!!! Não estão mais suportando esse flagelo de ver a ralé ascendendo social e economicamente no seu torrão natal. Negam-se a conviver com a gentalha e fogem para Miami. Claro que o pretexto é outro, tal como quer fazer crer certo brasileiro já “exilado” naquela região e porta-voz dos “brasileiros honestos”.

Ainda segundo a reportagem, “um exemplo típico desses exilados de classe alta é a dona de casa Regina Sposito Pires, que mora em São Paulo e recentemente fez uma viagem de exploração com sua família para comprar um imóvel em Miami. Depois de pensar no assunto por algum tempo, Pires, que tem 45 anos, tomou uma decisão em 26 de outubro, quando Dilma conquistou seu segundo mandato numa eleição apertada. ‘Foi como se alguém tivesse morrido’, diz Pires, mencionando sua frustração com a alta taxa de criminalidade do Brasil e a corrupção no governo. ‘Eu disse ao meu marido que a pouca vontade que eu tinha de ficar no Brasil tinha acabado’”.

Essa elite vai para Miami morar em condomínios de luxo, leva suas riquezas obtidas à custa da mais-valia sobre trabalhadores brasileiros e ainda posa como vítima. Pobre elite refém de um país inseguro para guardar suas fortunas em períodos de turbulência política e econômica como o Brasil. A julgar pelas investigações que estão sendo feitas no HSBC e outros bancos e paraísos fiscais, não estão de todo errados. Até a ameaça de um famigerado imposto sobre grandes fortunas esses pobrezinhos estão sofrendo aqui no Brasil. Quanta injustiça!

É como bem disse um autêntico representante desses inconformados com o governo do PT, o antropólogo Roberto da Mata: "A elite brasileira não gosta do Brasil e não se pode cultivar o que não se gosta. Se existe desprezo, não existe reflexão". Pois bem, que fiquem por lá. Brasileiro por brasileiro sou mais o trabalhador que, como bom filho, para casa voltou desde o primeiro mandato de Lula.

Luciano Rezende é professor do IFF/Bom Jesus

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