quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

JOSÉ GOMES BEZERRA CÂMARA - BIOGRAFIA -





JOSÉ GOMES BEZERRA CÂMARA

BIOGRAFIA

“Na minha função de juiz, tinha medo de três coisas: de filho, genro e mulher bonita, porque não há ninguém que resista”.

Designado por Professor Arno Wehling, Presidente deste Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), para dissertar sobre o centenário de nascimento do desembargador JOSÉ GOMES BEZERRA CÂMARA, que integrou este Instituto, sinto-me prestigiado em proferir algumas breves palavras sobre o nobre magistrado que tanto honrou esta nobre Instituição, e o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, de quem todos que usufruíram de sua companhia guardam boas recordações.
Muitas vezes tive a incumbência de prestar homenagem a pessoas de grande relevância no cenário do judiciário fluminense. Entretanto, a satisfação pessoal com que venho, nesta ocasião, homenagear BEZERRA CÂMARA é singular. Primeiramente, em virtude do laço de amizade que nos uniu e, outrossim, pelos inúmeros méritos que o homenageado ostenta.
JOSÉ GOMES BEZERRA CÂMARA nasceu em 02 de fevereiro de 1915, em Caiçara, município de Afogados de Ingazeira, Pernambuco. Filho de VICTOR GOMES DOS SANTOS e DOMITILLA GOMES ARRUDA CÂMARA.
Consorciou-se com MARIA D’ASSUNÇÃO, sua prima-irmã, também neta de judeus, que lhe ofereceu dois filhos: Eduardo e Donatila, o primeiro formou-se em Engenharia Naval e a segunda em Direito.
Perdeu sua genitora aos três anos de idade, passando a ser criado pela avó materna THEREZA BRAYNER, judia austríaca. Acredita-se que esta tenha imigrado, em 1867, da Europa para o Brasil, com destino ao Recife, PE, temerosa da guerra que assolava o Velho Continente à época. Naquela circunstância, a austríaca entendeu por bem adotar o nome de HONORATA ARCELINA DE JESUS, cujo propósito, cremos, não foi outro senão omitir a sua origem judaica.
Por um breve período, a família fixou residência em Sapucaia, distrito de Bezerros – no agreste pernambucano, transferindo-se em 1923 para Monteiro-PB.
Necessário ressaltar que, provavelmente, após sua permanência na primeira cidade, THEREZA BRAYNER tenha resignado ao judaísmo para acolher a doutrina cristã. Ocorre que, devido à grande seca que afligiu o Nordeste nos primeiros anos da década de 1930, BEZERRA CÂMARA, ainda rapazinho, viu-se compelido a deixar a terra natal e migrar para Rio de Janeiro, quando recebeu ajuda do então deputado ALFREDO DE ARRUDA CÂMARA, a ele ligado por laços de parentesco.
Segundo consta e revelado pelo próprio biografado, até os 12 anos de idade não possuía conhecimento da língua portuguesa, conquanto recebesse os ensinamentos da língua alemã ministrados por sua progenitora. Enfatiza que até assentar praça, só havia incorporado, assim mesmo incompleto, o curso primário. Contudo, não se afeiçoando à vida de quartel, passou a ser ordenança no Ministério da Guerra, onde fez o curso de admissão, o ginasial e de datilografia, no Instituto Superior de Preparatórios.
Residiu, inicialmente, no Méier, em pleno regime ditatorial de Vargas e tinha por missão, duas vezes por semana, se deslocar à Copacabana conduzindo alguns documentos que lhe eram confiados. Serviu, igualmente, no Batalhão de Guardas. Transferiu a residência para o bairro do Flamengo e, posteriormente, para Laranjeiras, na Rua General Glicério e, por último, em Ipanema, na Rua Visconde de Pirajá.
Com o propósito de alcançar objetivos cada vez mais altos, ingressou no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC) como datilógrafo, em 26 de fevereiro de 1938. A partir de 29 de dezembro de 1941, passou a escriturário e, em 1946, a oficial administrativo. Em março de 1945 foi promovido a membro da Comissão Diretora de Concursos e, no ano seguinte, a Chefe de Seção, chegando, em 19 de março de 1947, finalmente, a Chefe de Divisão.
BEZERRA CÂMARA desde jovem mostrou-se um profundo pesquisador do direito pátrio e, em auxílio ao seu estudo, deu continuidade ao aperfeiçoamento da língua alemã, mostrando-se um germanófilo de escol.
Entre seus professores universitários, considerava Francisco Santiago Dantas o mais culto, desenvolto e portador de extraordinária didática. Suas aulas eram tão prazerosas, que o tempo passava sem se perceber. Afirmava, Bezerra Câmara, que a política foi o grande pecado cometido pelo ilustre professor, pois se houvesse mergulhado com mais profundeza no mundo jurídico, nos teria ofertado trabalhos extraordinários.
Em entrevista dada a um repórter da Tribuna do Advogado, em julho de 1988, BEZERRA CÂMARA foi indagado se muitos processos adormeciam nas gavetas de seu escritório, como ocorria com alguns de seus colegas, e ele respondeu: “Nos meus 31 anos de judicatura quem dormia comigo mais de duas noites era minha mulher, nunca o processo”, deixando o profissional da imprensa um tanto desconfortável.
No que tange à advocacia, cabe dizer que o nosso biografado militou na novel profissão de 1946 a 1953. Mas não se afeiçoou ao nobre trabalho pois não sabia cobrar. Neste período, acumulou as tarefas com o cargo que exercia no Instituto dos Comerciários.
De forma hilariante, BEZERRA CÂMARA proclamava ser, na verdade, somente “senhor de pequenas causas”, pois necessitava manter-se nesta atividade também para não perder a prática forense.
Dizia BEZERRA CÂMARA, com orgulho, que a primeira petição que postulou no Judiciário mereceu o despacho do íntegro magistrado VICENTE FARIA COELHO, que se tornou seu fiel amigo e chegou a desembargador.
Era um abnegado, estudava e se atualizava não só no Direito, mas na parte que lhe interessava das ciências auxiliares, que ajudam na função judicial e mesmo na advocacia, como a História.
Objetivando sempre passos mais amplos, em 1954, fez concurso para o Poder Judiciário do Distrito Federal, o mesmo em que também foi candidato Antônio Neder, que à época já era juiz no antigo Estado do Rio de Janeiro e um dos signatários do Manifesto dos Mineiros. Neder, juntamente com Marechal Odílyo Denys, Augusto Hamann Rademaker, Prado Kelly, José de Magalhães Pinto, General Olímpio Mourão Filho, colaborou com a Revolução de 1964. Vinte dias após, Neder foi promovido a desembargador da Corte do antigo do Estado do Rio de Janeiro. Poucos meses depois, passou a compor o Superior Tribunal de Recursos, na vaga deixada pelo Ministro Milton Campos. Integrou Tribunal Superior Eleitoral nos biênios de 1969/1971 e 1971/1973.  Em 16 de abril de 1971, Neder foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal, na vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Adaucto Lucio Cardoso, tendo sido eleito para a presidência em sessão de 13 de dezembro de 1978.  Ironia do destino, assim é a vida com a qual haveremos de nos conformar.
BEZERRA CÂMARA era jurista criterioso e suas decisões revelavam o equilíbrio que a balança da justiça tem por finalidade. Funcionou, em plena jurisdição, em varas cíveis, de fazenda pública, criminais, de família e de acidentes do trabalho.
Tudo que escreveu o ilustre biografado nos trouxe grande valor jurídico-histórico, legando-nos páginas preciosas com importantes informações em linguagem firme e escorreita, impondo-se como obrigatórias aos estudiosos além de seu tempo.
Sua aparência singela era, na verdade, a de um caipira nordestino, daí, sem razão, haver Pedro Calmon o definido como um “falso caipira e nada mais”. Homem simples, despido de vaidades e de temperamento aparentemente calmo. Contudo, irrequieto com os problemas que o afligiam, para os quais procurava, incessantemente, solução justa. A tudo ele envolvia espargindo sempre todo o resultado do seu trabalho.
Amigo de seus amigos, devotava-lhes lhaneza no trato e pureza na amizade. Entre eles destacavam-se Raphael Cirigliano Filho, Cláudio Vianna de Lima, Oscar Accioly Tenório, Vicente Faria Coelho, Wellington Moreira Pimentel, Aluísio Maria Teixeira e Luiz Fernando Whitaker Tavares da Cunha.  Cabe afirmar que:
“Tudo nele, efetivamente, inspirava respeito e simpatia. Aos grandes e aos pequenos. Como os adultos as crianças nele viam alguém digno de uma consideração muito especial.” (COUTO, 2005, p. 20)
Por haver se revelado estudioso da história do Judiciário Pátrio, recebeu, merecidamente, o honroso convite para sócio do IHGB, a mais antiga instituição cultural do país, posto que fundada em 1838, onde ingressou em 15 de dezembro de 1975, no quadro de honorários. Três anos mais tarde, em 13 de dezembro de 1978, foi conduzido à condição de sócio efetivo e, em 18 de dezembro de 1996, a sócio emérito.
Homem de pensamento, nossos processos guardam numerosas decisões de sua autoria, repletas de ideias sensatas e de amor à terra que lhe coube por adoção - o Rio de Janeiro. Tudo o que deixou constitui preciosa herança de conhecimento às gerações futuras.

BEZERRA CÂMARA e a admiração por RUI BARBOSA
Estudioso pertinaz das obras de RUI BARBOSA, passou o nosso biografado, a pedido da Instituição que leva o nome do ilustre baiano (CASA DE RUI BARBOSA) a trabalhar como colaborador, oportunidade que se lhe apresentou para prefaciar, revisar e criticar as obras do grande jurista. Cabe esclarecer que, nessa tarefa hercúlea, prefaciou 29 obras e revisou muitas outras. Parte deste trabalho, oferecemos ao acervo deste INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO.
Seus primeiros ensaios históricos marcam “SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DO DIREITO PÁTRIO”, dividida em seis períodos abrangendo os anos de 1500 a 1930, que, segundo BENEDITO BARROS, à época jornalista do Correio da Manhã, nos traz uma “verdadeira sociologia jurídica a que poucos países possuem em tão elevado grau.” Legou-nos, também, muitos escritos em assuntos diversificados.
Certa feita, já aposentado, revelou-me que seu grande desejo era findar seus dias em Caiçara, terra que lhe serviu de berço e onde era proprietário de uma boa gleba de terras, a fim de retornar à criação de ovinos e caprinos, como em sua juventude. Todavia, não chegou a atingir seu objetivo, pois a morte o surpreendeu, em 30 de março de 2001, antes de realizá-lo. Então, quatro anos depois, seus familiares procuraram satisfazer a vontade de Bezerra Câmara, providenciando a remoção de seus restos mortais para sua terra natal, aonde repousa em paz.
Faço minhas as palavras de Delton de Mattos (2005, p. 78) ao se referir à morte do Padre Mello, para ilustrar meus sentimentos pelo biografado:
“Foi uma nuvem que obscureceu o sol da esperança que sorria no meu e nos mais ânimos deste povo”
Ao concluir, faz-se necessário proclamar que a singeleza, a simplicidade e a modéstia deste ilustre homenageado, um astro de primeira grandeza que, desde então, vem iluminando os nossos horizontes.
Assim, caro amigo BEZERRA CÂMARA - deixo-lhe meu adeus, pois, além de colega, era um leal amigo.
Colaboraram neste trabalho as assessoras Maria Nilza Borba e Lucia de Fátima Lédo de Brito, às quais apresentamos nossos agradecimentos.

Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2015

Desembargador Antonio Izaías da Costa Abreu






Referências:
Arquivos do Museu da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
CÂMARA, J.G.B. Subsídios para a História do Direito Pátrio. Rio de Janeiro: Brasiliana, 1966.
Ficha de sua filiação junto ao IHGB
Ficha funcional do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Livros de Atas dos Tribunais do Antigo Distrito Federal, do Estado da Guanabara e do Estado do Rio de Janeiro.
MATTOS, Delton (Ed) Padre Mello - prova e versos: Um gênio da civilização e da cultura. Rio de Janeiro, Textus, 2005.
OBRAS Completas de Rui Barbosa. OCRBdigital. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htm. Acesso em setembro de 2015.
TRIBUNA do Advogado. Rio de Janeiro: OAB, jul. e ago. de 1988.

Informes de familiares:
Donatila B. Câmara
Sílvia Santa Cruz Cesar

3 comentários:

  1. Bom dia sou Silvia Santa Cruz Cesar vi meu nome acima como portadora de informacoes. Senhor embaixador por getileza entre em contato comigo.

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  2. Boa noite,
    Tive o privilégio de ser secretária deste Ilustre Desembargador, quando o mesmo já era aposentado. Homem de coração nobre. Não há palavras para descrever quem foi o Desembargador Bezerra Câmara, a quem tenho profunda gratidão pelo auxilio prestado a mim durante minha jornada como estudante de direito, tanto ele quanto sua esposa, Sra. Maria da Assunção. Mulher forte, amável e doce. Tenho profundo respeito e carinho por esta família, cujo patriarca foi um homem inesquecível!

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