terça-feira, 26 de maio de 2015

Entrevista exclusiva com o intelectual baiano JOÃO AUGUSTO DE LIMA ROCHA



João Augusto de Lima Rocha apresentou seu livro ANÍSIO TEIXEIRA E A CULTURA na sede da Associação Cultural Yorubá de Cuba,  em Havana, no dia 12 de janeiro de 2015 ( na foto, entre a Secretária de Cultura de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Joana Darck Caetano e seu filho Gilberto, e a artista plástica cubana Adela Hilda Figueroa Gutierrez)



O Norte Fluminense realizou entrevista exclusiva com o intelectual baiano João Augusto de Lima Rocha. A entrevista foi realizada em Cuba e no Brasil.



1. O Norte Fluminense: Qual a importância de Anísio Teixeira para o Brasil?

Anísio Teixeira (1900-1971) liderou, entre nós, desde a década de 1920, o movimento de renovação da educação brasileira conhecido como Escola Nova, influenciado principalmente pelas ideias do filósofo e educador norte-americano John Dewey.
A atuação educacional de Anísio começa em 1924, a partir de sua indicação para a Inspetoria Geral do Ensino da Bahia, pelo governador Francisco Marques Góis Calmon. Após o término de seu mandato na Bahia, em 1929, na qualidade de Secretário de Educação do Distrito Federal (1931-1935), torna-se liderança nacional, junto com Fernando de Azevedo, de um movimento que produziu o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, que veio a se tornar o programa de renovação de toda a educação brasileira, de lá para cá. Anísio organizou e instalou a Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935, considerada a primeira universidade a incluir a pesquisa como atividade, em todas as unidades. Criada em abril de 1935, com a Reitoria a cargo de Afrânio Peixoto, essa universidade reuniu os principais intelectuais brasileiros em seu corpo docente, além de ter trazido vários professores estrangeiros. Foi extinta, no entanto, em 1939 tendo o que restou incorporado à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

Perseguido, a partir de 1935, quando foi levado a se afastar do Distrito Federal (Rio de Janeiro), Anísio internou-se no interior da Bahia, ficando por mais de 10 anos afastado da educação.
Em 1946, foi chamado por Julian Husley para organizar, em Londre e Paris, o setor de educação superior da UNESCO. Volta para a Bahia em 1947, a convite do então eleito governador Otávio Mangabeira, par ser Secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia. Faz uma gestão memorável, na Saúde, na Educação e na Cultura. É o tempo em que constrói a famosa Escola Parque do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, que se tornou internacionalmente conhecida como escola integral, que juntava a educação de conteúdos com a educação para a cidadania. Depois do mandato de secretário, sai da Bahia e segue para o Rio de Janeiro, trabalhar no MEC, a chamado do Ministro Simões Filho. Gradativamente, vai se tornando o educador mais influente na educação nacional. Criador da CAPES, torna-se seu primeiro Secretário Geral. Logo depois, acumula aquele cargo com o de Diretor Geral do INEP. Foi o formulador da tese política segundo a qual não pode haver democracia sem educação pública de qualidade. Escreve os livros Educação é um Direito, e Educação não é Privilégio, que contêm a fundamentação política da luta pela escola publica de qualidade em nosso país. Presidente da SBPC, de 1955 a 1959, atrais os grandes intelectuais brasileiros para a organização da Universidade de Brasília, projeto máximo da Universidade Brasileira, instalado em 1961, e logo destruído pelos militares, a partir de 1964. Ele era o reitor da UnB, em 1964, quando foi destituído por eles e obrigado a se aposentar compulsoriamente. Depois do golpe, passou um bom tempo nos EUA, visitando universidades, tendo recebido o título máximo da Universidade da Columbia, em Nova Iorque, onde tinha feito sua pós-graduação com John Dewey, em 1928. É também o reorganizador da Universidade Nacional do Chile, para onde foi após voltar dos EUA. Por sua atuação marcante, em todos os campos da educação brasileira, no processo de sua renovação, considero que tenha sido o nosso maior educador. 



2. O Norte Fluminense: Você considera que há, hoje, um reconhecimento ao legado de Anísio Teixeira?

Nos meios acadêmicos, cada vez mais, esse reconhecimento vai se dando, mas entre o povo brasileiro ainda está aquém do que seria justo, para um educador que, além de ter sido o que foi, com grande denodo e sacrifício pessoal, sofreu severas injustiças, muito parecidas com as que estão se intensificando hoje, principalmente porque a Presidente Dilma resolveu dar prioridade à educação do povo em seu segundo Governo.



3. O Norte Fluminense: Como surgiu seu interesse por Anísio Teixeira?

Foi tudo muito casual. Morei em Guanambi-Ba, cidade bem próxima da cidade de natal de Anísio (Caetité) e, naturalmente, tive acesso a uns dois livros de John Dewey traduzidos por ele. Depois que entrei para a Universidade Federal da Bahia, tomei conhecimento do magistral depoimento que ele prestou, em 1968, a uma CPI do Congresso, sobre a Universidade Brasileira. Mais recentemente, em 1986, com a eleição de Waldir Pires para o governo da Bahia, fui chamado  a levantar sua contribuição para a educação brasileira, no Instituto Anísio Teixeira, órgão da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Depois disso, veio a luta pela criação da Fundação Anísio Teixeira, que foi coordenada por mim, com grande apoio do Deputado Haroldo Lima, do PCdoB da Bahia. A Fundação foi inaugurada em 1989, e é a grande responsável pela divulgação de sua vida e obra, na atualidade. 

João Augusto de Lima Rocha em Varadero, Cuba


4. O Norte Fluminense: Você diz que há fatos que corroboram a possibilidade de Anísio Teixeira ter sido assassinado. Que fatos são esses?

Sim, é muitíssimo provável que Anísio tenha sido assassinado em instalação da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, entre 11 e 13 de março de 1971. À frente da organização do esquema de repressão política, na nova fase da ditadura iniciada em 1968, encontrava-se o Brigadeiro João Pualo Moreira Burnier, entrosado com os norte-americanos que tinham um centro de treinamento de tortura no Panamá, para toda a América Ltina, onde o brigadeiro havia feito, então recentemente, um treinamento avançado. Dirigia o I Exército, no Rio, o General Syzeno Sarmento, que havia sido incumbido de chefiar a missão do regime de reorganização dos métodos de atuação repressiva da ditadura, para enfrentar a reação popular, que crescia bastante, naquele momento. O Brigadeiro Burnier, além de amigo, era o principal assessor do General Syzeno, naquela missão. Rubens Paiva desaparece em janeiro, Anísio morre em março, e Stuart Angel em maio de 1971. A Aeronáutica, de Burnier, está, comprovadamente, presente no primeiro e no terceiro caso. O educador Abgar Renault, de Minas Gerais, e o Governador Luiz Viana Filho, da Bahia, eram amigos próximos de Anísio e, do mesmo modo, muito próximos dos militares que deram o golpe de 1964.  Luiz Viana me disse, em sua casa, em Salvador, no dia 17 de dezembro de 1988, que soubera, no dia do desaparecimento de Anísio, a 11 de março de 1971, que ele estava detido em instalação militar da Aeronáutica. Disse-me ter avisado à família, que uma autoridade de grande influência no regime teria lhe dado a notícia - daí pediu que a família do educador ficasse tranquila - de que Anísio seria submetido somente a um interrogatório de praxe. Independentemente dessa confissão de Luiz Viana Filho, soube-se, há pouco, após eu ter liberado a informação anterior, dois anos atrás, que o Prof. Abgar Renault também teria telefonado independentemente de Luiz Viana, para a família de Anísio, afirmando que o General Syzeno Sarmento teria lhe falado ao telefone que Anísio encontrava-se detido na Aeronáutica no dia 11 de março de 1971, e que não demoraria a ser liberado! Essa coincidência nos leva à quase certeza de que Anísio foi sequestrado, quando ia a pá, no trajeto da Fundação Getúlio Vargas para o prédio em que morava Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, na Praia do Botafogo, Rio de Janeiro, entre 11:30 e 12:00 h do dia 11 de março de 1971.
Ora, Anísio havia marcado, por telefone (certamente grampeado) um almoço na casa de Aurélio, ao meio-dia de 11 março de 1971. Tem-se testemunha, hoje ainda viva, o maranhense Joaquim Campello, da Editora do Senado, em Brasília, que também foi ao almoço, e que me disse ter ele e Aurélio Buarque esperado pelo educador até às 13:30 h daquele dia. Anísio não tendo aparecido, então ele, Joaquim, após às 13:30h, desceu pelo mesmo elevador que, segundo a versão oficial, estaria fora do lugar, quando Anísio, que não havia subido, teria se precipitado no fosso!

Segundo Joaquim, não se registra qualquer baque ou grito ouvido, e que o elevador nunca teve seu funcionamento interrompido naquele dia. Se Anísio tivesse caído no fosso, o único momento só poderia ser próximo ao meio-dia de 11 de março de 1971. Dois dias depois, isto é, a 13 de março de 1971, no entanto, é que seu corpo aparece no fundo do fosso do elevador do Ed. Duque de Caxias, Praia de Botafogo, 48, onde ficava o apartamento de Aurélio.

João Augusto no quarto do Hotel Ambos Mundos, em Havana, onde o escritor norte-americano Ernest Hemingway se hospedava


4. O Norte Fluminense: Como surgiu seu interesse pelo cordel?

No Nordeste, a linguagem popular é no ritmo dos versos heptassílabos do cordel!
Fui acostumado a ouvir os repentistas e cordelistas nas feiras do interior da Bahia, onde passei a infância e parte da juventude!
Depois de pós-graduado em engenharia, fui ensinar em Campina grande, na Universidade Federal da Paraíba, em 1978. Campina é uma das mecas do repentismo brasileiro. Já pensaram, vocês ouvirem Ivanildo Vilanova, todo dia de manhã, num programa de uma hora, todo ele improvisado em versos, como eu ouvia, pela Rádio Borborema de Campina Gerande?

5. O Norte Fluminense: Que cordelistas você destacaria?

O maior de todos é, indiscutivelmente, o paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918). Outros importantes são João Martins de Ataíde, Silvano Pirauá de Lima, Francisco Chagas Batista, Otacílio Batista, José Costa Leite, Cuíca de Santo Antônio Amaro, Rodolfo Coelho Cavalcante, Ivanildo Vila Nova e Minelvino Francisco Silva.

6. O Norte Fluminense: Que mensagem gostaria de deixar para as novas gerações?

Que procurem se aprofundar nas coisas que fazem. É a determinação de fazer alguma coisa bem feita, que nos pode dar a oportunidade de fazer coisas bem feitas. Ninguém precisa de mais nada a não ser da verdadeira paz, a paz dinâmica e permanente, na luta pelos mesmos direitos de todos, num mundo em constante movimento. Andorinha sozinha não faz verão, é um ditado que gosto muito. 

João Augusto de Lima Rocha: mais um intelectual baiano que se destaca no país



Nenhum comentário:

Postar um comentário