sexta-feira, 1 de maio de 2015

Terceirização





                             




                Tarcísio Borges


Procurar emprego com profissionalismo. Ou prestar concursos. As tentativas laborais de Órfão de Pai e Mãe e Parteira e Vizinhança sempre foram nesta direção, tendo em vista a independência. Por último, a estratégia não vinha dando certo.

Na última ocasião em que esteve no mercado (eufemismo irônico do Pessoal para desemprego), Órfão resolveu inovar, e foi pedir socorro aos aparentados. Procurava o outrora chamado pistolão. “Talvez tenha sido promovido a fuzil, desses que atiram embaixo da água e sob as areias. Rico ele ficou” – pensou Órfão.

O candidato foi bem recebido, pelo menos nas palavras e no espalhafato do Fuzil. Era um tal de parente para cá, primo para lá, “Você se lembra do meu pai?”, “Que bom lhe ver!” e outras afinidades instantâneas – coisas que só os parentes são capazes, gente de confiança, estribada na convivência, lastreada nos antepassados. Teve água e café. O convite para o almoço foi negligenciado (Órfão notou. Deixou passar a distinção sem maiores considerações).

Daí, como foi negociado, passado longo tempo (para cozinhar o galo o bom mesmo é o fogão de lenha), saiu a contratação.

O resultado? Calma, leitor! Não provoque um cisma na família de Órfão de Pai e Mãe. O coitado não tem a quem recorrer. Pode ficar outra vez fora do mercado (assim devia ser a fala do Pessoal de Recursos), morar de favor, pendurar a conta no botequim, passar o dia todo lendo na biblioteca (único local que o receberá com satisfação).

Melhor ir direto à conclusão, nas palavras do próprio Órfão: “Nestes tempos e em todos os outros, procure emprego com estranhos, ou através de concursos públicos. A terceirização da atividade lhe trará prejuízos diversos. Desconhecidos lhe tratarão com mais respeito. Com sorte, encontrará profissionalismo. Abaixo a terceirização!”.

Tarcísio Borges, nascido em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), é médico e escritor

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