terça-feira, 12 de março de 2024

Capitão Teixeira, meu pai

                           


Napoleão Lyrio Teixeira

 

"Por ser da minha terra é que sou nobre. Por ser da minha gente é que sou rico" - Olavo Bilac

Num 20 de junho de 1878, em Minas Gerais, lá pras bandas de Taboleiro do Pomba, nascia o menino moreninho, um filho a mais de "seu" Francisco de Paula e de dona Maria Rosa. Deram-lhe o nome de João Manoel, mas sabe Deus por que, entenderam chamá-lo, desde cedo, de Capitãozinho, e sem farda, sem divisas e sem carta-patente, Capitão seria a vida toda.

Quando dona Maria Rosa assentou unir sua vida à de "seu" Chico, não faltou quem a avisasse ser pura falta de juízo. É que - o senhor meu avô, me perdoe a irreverência - dele diziam não ser trigo limpo, nem ser flor que se cheirasse; boêmio, mulherengo, homem de serestas teria matado - era o que diziam - de puro desgosto, a primeira mulher. Quem lhe visse a cara de santo, de querubim em licença-prêmio, o olhar de cordeiro-de-Deus, a bela barba apostólica - não diria o maroto que ali estava.

Minha futura avó ouvia tudo, sabia de tudo. Quieta, silenciosa, calada. As "comadres" da turma mexeriqueira do "não é por falar mal, mas ouvi dizer...", compareciam pontualmente, por turnos, trazendo relatórios das suas fofocas. Ela escutava, olhava-as de cima, nada dizia.

Revejo-a, mentalmente, o retrato: rosto harmonioso, de linhas fortes mas tranquilas, testa ampla, cabelos pretos, boca enérgica porém bela, olhar tranquilo mas firme - formosa mulher que sabia o que queria.

Casaram-se. Passada a lua de mel, "seu" Chico entendeu voltar à vida de antanho, das rodas alegres, vinho, mulheres, serenatas.

Da primeira vez, voltando, madrugada velha, de uma senhora farra, ao entrar na ponta dos pés, foi encontrá-la, assentada, tranquilamente, a bordar à luz de um lampião. Era pessoa de bom coração, ficou com pena: - Mas dona Maria Rosa, a senhora (naquele tempo marido e mulher tratavam-se assim), acordada até esta hora, depois de um duro dia de trabalho, nas lides do casal. Ao que ela, sorrindo, muito calma, respondeu: - Ora, "seu" Francisco, nada mais faço que minha obrigação: se o senhor ficou fora de casa até tarde, estava, sem dúvida, ocupado em resolver assunto mais grave, de negócios; assim, esperar sua volta faz parte dos meus deveres de esposa.

O marido carregado de remorsos, foi dormir. Reincidia algumas vezes, saía, dizendo volto já, caía na patuscada, quando regressava lá estava ela, firme a esperá-lo. E foi assim, sem recriminações, sem bate-bocas, que domou seu homem; tornou-se o mais doméstico dos maridos, monógamo, verdadeiro gato-de-borralho.

A família cresceu. Ainda moço, um "mal de engasgo" carregou meu avô para a viagem sem volta, deixando a mulher com uma ninhada de filhos para criar. Com pouco dinheiro e muita coragem, topou o desafio do Destino. Partiu para a luta; com o abençoado trabalho das mãos suas, criou-os a todos. Quando, mais tarde, chegou sua vez de partir, pode dizer, tranquila: Missão cumprida!

Das tias me lembro bem: Tia Ciça, Tia Rosa, Tia Rachel. Finas, fidalgas, delicadas, aristocratas natas no "savoir dire, savoir faire, savoir aller"; autênticas damas no trato, não pareciam criadas na roça, tal a "finnes" com que se sabiam haver, estivessem onde estivessem, fosse qual fosse o meio em que se encontrassem: ladies não se fazem, nascem.

Enquanto isso, Capitão Teixeira adolescia, crescia, fazia-se homem. Alto, delgado, bonitão, moreno pálido na cor, vasta cabeleireira negra, bigodes atrevidos. Meio a d'Artagnan, não enfeitando peleas, comprando paradas, quando não (desculpe, meu pai, se conto essas coisas) acabando com festas e mutirões a tiros ou à lusitana, na base do vale-tudo. Não, não bebia (jamais bebeu, jamais o vi tocar num copo de bebida), se é o que querem saber.

Isso, claro, em "festas", porque a grandes Festas, muito solicitado, compareciam sempre e como era de bom tom, bem montado, cavalo ajaezado de prata, pajem atrás, a respeitosa distância, levando-lhes as malas.

E eram aqueles saraus d'antanho, suas orquestras e músicas, as danças de outrora, polkas schotisches, valsas, quadrilhas e tudo o mais. Dos românticos namoros à distância; da "linguagem" do leque, de que as moças recatadas, esquivas, se valiam para, de longe, "dizerem" aos eleitos suas mensagens d'amor. Enquanto isso, poetas recitavam poesias românticas.

Nestas, o galante e requestado bailarino, exímio pé -de-valsa, de boa prosa como de bom parecer, só era galanteios e agrados - era de paz, de brigas não.

Numa dessas festas, conheceu bela jovem, muito clara, porte senhoril, dona de lindos cabelos pretos, que emolduravam o rosto como verdadeira coroa de rainha.

Era rainha mesmo - Regina era o nome. Um soco no coração: "Mal vi o teu rosto/ Meu sangue gelou-se/ E a língua prendeu-se/ Tremi e mudou-se/ Das faces a cor". Assim aconteceu quando Dirceu viu Marília pela vez primeira; assim como ele também aconteceu.

Foi seu segundo encontro com o Destino. O primeiro, dias antes, foi com a crença: com o Espiritismo, que lhe mudaria a vida, dele fazendo outro homem. Saulo far-se-ia Paulo, achando-se com Jesus na estrada de Damasco...

Logo a seguir, mandou-lhe o Senhor um novo anjo-da-guarda, minha Mãe Regina, para com ele, mãos dadas, caminharem juntos a viajada da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário