Isabel Cristina Menezes Degli Esposti |
Enchente das goiabas
Expressão de tradição Puri, são as fortes chuvas que temos presenciado neste mês de março, sinalizando o fim do verão e o início do outono. Nos sítios e fazendas de nossa região, as goiabeiras tem seus últimos frutos derriçados pelas tempestades e o chão fica coalhado de goiabas espedaçadas pela queda. Neste tempo, as doceiras do Alto Bom Jesus e Varre-Sai, já cataram as goiabas, bateram na tacha ao fogo com açúcar e cortaram barras de 1 kilo para venderem na cidade. Uma delícia de doce! As goiabas derriçadas pela enchente, são aquelas que sobraram às mãozinhas ágeis das crianças e à vara de bambu das mulheres, que as colheram para comer, fazer suco ou goiabada cascão. Em Varre-Sai, onde atualmente se encontra o Café Vai e Volta, havia um goiabal que dava trabalho as crianças, jovens, adultos e idosos. De janeiro a março, ou seja, o verão inteiro, seu Antônio Português e dona Maria Bendia faziam goiabada cascão e para isso movimentavam toda a família de portugueses miscigenados com italianos.
– Vó, quem plantou esse goiabal? Perguntou o neto Amâncio Gabriel.
E dona Maria responde:
- Foram as vacas, meu filho.
- Como assim, as vacas? Elas são agricultoras?
- Há bobinho! Elas comeram goiaba e fizeram suas necessidades no pasto. Daí nasceram mudinhas que deixamos se transformar nesse goiabal.
Naquele sistema bem rudimentar, com ordenha manual, rebanho mestiço não especializado e pastagens nativas de “capim gordura”, com manejo extensivo, o máximo que se conseguia extrair de uma vaca, era 2 litros de leite por dia, retirados de madrugada. Era necessário umas vinte cabeças de vaca para que seu Antônio Português conseguisse mandar uns trinta e poucos litros de leite para o posto da CAPIL em Varre-Sai e se consagrar como grande produtor leiteiro na região. Atualmente no Brasil, a média é de 8 litros de leite ao dia, por vaca, existindo em Campos Gerais, no Paraná e outras regiões leiteiras, vacas de 40 litros de leite por dia e de acordo com o site Canal Rural, durante o torneio do Agroleite/2022, esse número saltou para uma média de 80 a 90 litros por animal/dia, sendo campeã na categoria vaca adulta, a Fini Renegade Beatrix, que atingiu, além da marca de 102 litros em um único dia. Será que seu Antônio e dona Maria, algum dia sonharam com esses números?
Porém, dentro da evolução agrícola, as goiabas continuam ocupando seu lugar de destaque e as plantações aumentaram, como também aumentaram o tamanho dos frutos, necessitando atualmente de um cuidado todo especial, com adubações frequentes e uso de defensivos. As barras de goiabada cascão estão por toda parte nas feiras de final de semana e a expressão enchente das goiabas continua firme no palavreado popular regional. Que venha o outono com seu frescor, pois o verão esse ano está torrando os miolos.
Isabel Menezes é professora pela SEEDUC e historiadora da cidade de Varre-Sai/RJ
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