quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Dorcas de Paula Vieira: Mestra de Gerações e Costureira de Sonhos

                                    Por Gino Martins Borges Bastos 

Dorcas de Paula Vieira (foto:Gino Martins Borges Bastos)


Em 2012 entrevistei Dorcas de Paula Vieira. Na travessia do tempo, algumas vidas se tecem como pano raro. É o caso de Dorcas, filha da terra de Liberdade, mais tarde chamada Carabuçu, a partir do Decreto-lei Estadual nº. 1056 de 31.12.1943. Nasceu no  dia 24 de outubro de 1928, como quem já carregava no nome o destino bíblico da “discípula”.

Filha de José Francisco de Paula, artesão, lavrador e comerciante, e Sebastiana Maria de Paula, do lar. Seu pai foi também artesão de couro e de esperanças, plantou nela o gosto pelos estudos e pela arte. Foi colega, nos tempos de primário, do saudoso desembargador Antônio Izaías da Costa Abreu.

E foi entre sol e chuva que a menina, teimosa como o próprio sertão, abriu a primeira escola no terreiro dos pais, em 1940, costurando letras no caderno das crianças. É uma entre doze filhos, além de ter tido uma irmã de criação.

Vieram os caminhos difíceis, como a Serra do Fogão, onde o preconceito ousou lhe perguntar se uma mulher negra poderia ensinar. Dorcas não respondeu com palavras duras: deixou que o tempo falasse por ela, e o respeito nasceu da convivência. Acabou elogiada por quem manifestou o preconceito.

Seguiu estudando contra os conselhos do mundo. Enquanto lhe diziam “arranja um marido”, ela respondia em silêncio com livros abertos. A cultura era o altar em que depositava sua fé, fé que se estendia também à Igreja, onde servia com devoção.

Casou-se no dia 16/09/1967 com Jorge Gomes Vieira, motorista da Empresa Brasil. Tornou-se viúva em 28/09/2002. Mestra, diretora, pintora e pianista, Dorcas estudou piano durante quatro anos com Dona Nina, no Conservatório de Bom Jesus, a partir de 1977, aprendendo a parte teórica. Dorcas vestiu-se de muitas artes, sem nunca abandonar a simplicidade de quem sabe de onde veio. Aposentou-se em 1990, mas não se recolheu: ajudou a fundar o ILAC, Instituto de Letras e Arte de Carabuçu, e na cadeira que ocupa repousa o nome de outra mulher de fibra, Maria Joaquina Sabina.

No portão da casa, por ocasião da entrevista, um cartaz anunciava aulas da jovem Laís Monteiro. Oitenta e quatro anos antes, naquele mesmo espaço, Dorcas havia inaugurado seu destino de educadora. O tempo é círculo, e os sonhos, quando são nobres, florescem de geração em geração.

Na sala, um quadro pintado por ela guardava a lembrança da casa de infância. E de sua boca, a mensagem que atravessa os anos:

" - Estudem, lutem pela vida, lutem pela cultura. Sempre procurem coisas nobres e boas, para que o mundo se torne melhor cada vez mais!".

Se a Dorcas bíblica costurava roupas para os necessitados, a Dorcas de Carabuçu costura sonhos. Uma e outra, unidas pelo mesmo fio: o de transformar amor em permanência.

Dorcas e o quadro que pintou da casa de infância (Foto: Gino Martins Borges Bastos)










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