Por Gino Martins Borges Bastos
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Eduardo Rosa, o solitário guardião do Conchita de Moraes, em 2012 (foto: Gino Martins Borges Bastos) |
Grande Eduardo Rosa!!! Seresteiro, jogador de futebol, carnavalesco, sapateiro (dos bons), mestre escoteiro, amigo!!
Em 2012, encontrei Eduardo Rosa na Usina Santa Maria e o entrevistei.
Setenta e cinco anos. Um corpo gasto, mas os olhos de menino.
Sapateiro de mãos firmes, jogador de futebol em juventude de chuteiras gastas, seresteiro, carnavalesco, mestre escoteiro e mais tarde, guardião, não por escolha, mas por destino. Morava em um cômodo estreito, que já fora salão de beleza da dona da Usina. As paredes ainda guardavam ecos de vozes femininas, risos, perfumes. Ele, porém, vivia entre o silêncio e a vizinhança de um gigante adormecido: o Teatro Cinema Conchita de Moraes.
O prédio, construído na década de 30, foi cinema, teatro, clube. Depois, só ruína. Mas como toda ruína precisa de um guardião, Eduardo assumiu o posto. Sem farda, sem salário, com as chaves no bolso e poltronas encostadas nas portas, afastava os intrusos e os vândalos que dilapidaram outros bens da Usina. Ali, dividia vigília com marimbondos e fantasmas.
O Conchita ainda respirava graças a ele.
E porque vivia ao lado, Eduardo se tornou sentinela
Eduardo falava com a ternura dos que amam e a revolta dos que sofrem:
"Quando venta forte ou chove, a madeira do teto geme. No tempo bom, aqui passaram filmes, bailes, o tricampeonato do Santa Maria Futebol Clube… não podiam deixar acabar as Usinas. O açúcar viajava o mundo. exportando a grandeza que se perdeu. Hoje, minha rua mal resiste à chuva. O Conchita vai caindo. Já pedi reparo às autoridades, já vieram prometer. Nada fizeram. É maldade". E mesmo cansado, repetia o sonho: “O Conchita ainda há de renascer.”
Sobre a porta do velho teatro, uma inscrição sua feita com giz resistia como profecia: "Aqui será o Centro Cultural Histórico da Usina Santa Maria. O Povo Unido Jamais Será Vencido". Chegaram a propor a Eduardo a construção de uma fábrica no local, ideia imediatamente rechaçada. Ele era guardião de uma memória coletiva. Ele tinha uma missão e tinha plena consciência da mesma.
A Usina inteira passou a lhe dar o título de “Guardião do Conchita.” Um documentário registrou, por sua vez, sua figura, sua obstinação. O verdadeiro título foi o próprio tempo que o cunhou: mito da resistência.
Eduardo partiu antes de ver o milagre acontecer. Mas seu sonho se tornou um legado que santa-marienses e apoiadores prosseguiram.
E em agosto de 2024, o Conchita reabriu, liderado por Betinho Milão com o apoio da comunidade e idealistas. O povo santa-mariense retomou sua herança.
Em 2025, a música voltou também a ecoar, através da renascida Sociedade Musical da Usina Santa Maria. Jovens agora aprendem notas como outrora, com o orgulho de um povo que reencontra sua história.
Betinho levou a diretora Maria de Lourdes de Sá Andrade, filha do saudoso Maestro Sebastião Vitorino de Sá - ambos aprenderam música com Maestro José Primo - o Maestro Alessandro Azevedo e as crianças e jovens que voltaram a ocupar as cadeiras e tocar os instrumentos.
E no meio de cada acorde, de cada aplauso, de cada riso que vibra nas paredes restauradas, há um homem invisível que vigia.
Eduardo Rosa.
O guardião.
O mito que nunca abandonou o Conchita.
Hoje, cada santa-mariense é guardião do Conchita.
Hoje, cada santa-mariense é um pouco Eduardo Rosa.
Hoje, cada santa-mariense carrega um pouco dele.
Hoje, cada santa-mariense é guardião de sua própria memória.
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Eduardo Rosa em 11 de agosto de 2013 |
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O milagre ocorreu em agosto de 2024 |
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Em 2025: cada santa-mariense é um pouco Eduardo Rosa |
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