Espero que esteja tudo bem com você, GINO.
Hoje vamos falar de uma ferramenta de trabalho. Se você não sabe, uma biblioteca é exatamente isso. Para um escritor, então, é uma ferramenta indispensável.
A biblioteca de um escritor não se constitui ao acaso, muito menos se limita a enfeitar paredes com lombadas coloridas. Ela vive, pulsa, se mantém em constante movimento, e, sobretudo, exige disciplina. Comprar livros, para quem deseja escrever, é formar um laboratório, uma forja na qual o olhar será formado, onde cada elemento da linguagem alheia poderá acender uma chama própria.
Um escritor, quando lê, deve observar o que mais escapa ao leitor apressado: a maneira como outro autor dispõe as palavras, o modo como um período se estende, como uma imagem inesperada surge para traduzir certo pensamento.
Esse exercício atento transforma muitas frases em verdadeiras epifanias. Em vez de buscar a simples imitação, esse escritor-leitor reconhece novos caminhos a serem explorados. É como se, de repente, uma região da linguagem até então desconhecida se descortinasse. A frase alheia desperta novas possibilidades. E elas, longe de aprisionarem, libertam. Assim, o escritor-leitor segue em frente, conduzido por uma intuição renovada.
Daí o valor de uma biblioteca que não seja mero ornamento. Cada volume, anotado ou consultado rapidamente, funciona como peça de um laboratório em constante atividade. Alguns dos livros se convertem em referências permanentes: aqueles aos quais voltamos como quem procura um conselho antigo. Outros permanecem silenciosos por anos, até que um motivo qualquer os convoque. Mas todos oferecem ao escritor um repertório vasto de imagens, ritmos e soluções narrativas.
Não é raro, entretanto, ouvir o receio de quem hesita em comprar novos livros. Muitos se culpam ao ver pilhas de volumes ainda intocados, como se estivessem diante de uma dívida. Esse medo é infundado. Toda biblioteca viva é maior que as leituras já feitas. É natural possuir livros ainda não lidos. Eles aguardam o momento em que alguma circunstância da vida pedirá sua voz. Às vezes, um fato inesperado exige consultar um autor há muito esquecido na estante. É por isso que a biblioteca precisa ser, necessariamente, abundante.
O que importa não é o número de livros lidos, e sim a constância do hábito. E aqui convém lembrar a disciplina quase monástica de Flaubert. Além de escrever em horários fixos, encerrado em seu gabinete, ele também mantinha a leitura como exercício diário. A regularidade era para Flaubert uma lei interior. Foi nesse ritmo que encontrou a força necessária para construir o romance Madame Bovary, em que cada cena parece ter sido esculpida com paciência infinita.
O exemplo é eloquente: não importa a vastidão de livros não lidos na estante, desde que o leitor se mantenha fiel ao compromisso de ler todos os dias, ainda que por alguns minutos. O hábito dissolve qualquer ansiedade diante do excesso.
Cada escritor pode organizar seu tempo à sua maneira. Alguns leem ao amanhecer, quando a mente está fresca; outros preferem a noite silenciosa. Não há fórmula universal. O decisivo é que a leitura se torne tão habitual quanto o alimento ou o descanso. Sem esse contato permanente, não se forma uma voz própria, não se constrói a atenção necessária para escrever com verdade.
E é aqui que se revela a dimensão mais profunda dessa disciplina, porque ler com constância amplia o repertório técnico, educa a imaginação, purifica o olhar e molda o espírito. A biblioteca viva se torna um espaço de formação contínua. Cada página acrescenta camadas de experiência; cada encontro com um autor do passado fortalece a consciência do presente.
Se há um segredo na construção de uma voz literária, ele se encontra nessa fidelidade silenciosa, repetida dia após dia. O escritor aprende a conviver com os livros como com velhos amigos; às vezes, em conversas longas; outras vezes, em rápidas visitas. Essa intimidade vai, pouco a pouco, criando um repertório invisível, que se manifesta no modo de pensar, na cadência das frases, na escolha paciente de cada palavra
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