O poema «Bela Infanta» de Almeida Garrett é uma narrativa de um amor perdido e da dor da infanta, que ao encontrar um capitão questiona-o sobre o paradeiro do seu marido, levando a uma revelação sobre o seu destino e o do capitão, que era na verdade o seu marido. Este poema, parte da tradição do Romanceiro, narra a história de uma mulher que procurava o seu marido, descobrindo que este estava disfarçado de capitão.
POEMA
BELA INFANTA
Estava a bela Infanta
No seu jardim assentada
Com o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.
– «Diz-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava.»
– «Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada…
Diz-me tu, ó senhora,
As senhas que ele levava.»
– «Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.
– «Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava.»
Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!…»
– Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i.»
– «Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gerzelim:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei para si.»
– «Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem to trouxera aqui?»
– «As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.»
– «As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «De três filhas que tenho,
Todas três te dera a ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.»
– «As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui.»
– «Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.»
– «Tudo, não, senhora minha,
Que inda não te deste a ti.»
– «Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!»
– «Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti…
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!»
– «Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!…
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui.»
Quem foi Almeida Garret
João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, mais tarde 1.º Visconde de Almeida Garrett (Porto, 4 de fevereiro de 1799 – Lisboa, 9 de dezembro de 1854), foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português.
Grande impulsionador do teatro em Portugal, uma das maiores figuras do romantismo português, foi ele quem propôs a edificação do Teatro Nacional de D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática.
Relevância na literatura portuguesa
No século XIX e em boa parte do século XX, a obra literária de Garrett era geralmente tida como uma das mais geniais da língua, inferior apenas à de Camões. A crítica do século XX (notavelmente João Gaspar Simões) veio questionar essa apreciação, assinalando os aspectos mais fracos da produção garrettiana.
No entanto, a sua obra conservará para sempre o seu lugar na história da literatura portuguesa, pelas inovações que a ela trouxe e que abriram novos rumos aos autores que se lhe seguiram. Garrett, até pelo acentuado individualismo que atravessa toda a sua obra, merece ser considerado o autor mais representativo do romantismo em Portugal.
Primeiras edições ou representações
1819: Lucrécia
1820: Mérope (não chegou a ser representada)
1821: O Retrato de Vénus; Catão (representado a 29 de setembro, no Teatro do Bairro Alto, a S. Roque);
1822: O Toucador
1825: Camões
1826: Dona Branca
1828: Adozinda
1829: Lírica de João Mínimo; Da Educação (ensaio)
1830: Portugal na Balança da Europa (ensaio)
1838: Um Auto de Gil Vicente (representado no teatro Nacional da rua dos Condes)
1841: O Alfageme de Santarém (1842 segundo algumas fontes; representado no teatro Nacional da rua dos Condes)
1843: Romanceiro e Cancioneiro Geral - tomo 1; Frei Luís de Sousa (representado no teatro particular da Quinta do Pinheiro)
1845: O Arco de Sant'Ana - tomo 1; Flores sem fruto
1846: Viagens na minha terra; D. Filipa de Vilhena (inclui Falar Verdade a Mentir e Tio Simplício; representada no teatro da rua do Salitre, por alunos do Conservatório Dramático)
1848: As profecias do Bandarra; Um Noivado no Dafundo; A sobrinha do Marquês
1849: Memória Histórica de J. Xavier Mouzinho da Silveira
1850: O Arco de Sant'Ana - tomo 2;
1851: Romanceiro e Cancioneiro Geral - tomos 2 e 3
1853: Folhas Caídas
1871: Discursos Parlamentares e Memórias Biográficas (antologia póstuma)
Publicações periódicas
1827: O cronista
1830: Memórias de uma África sofrida
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