quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

HÁ 80 ANOS, O POETA DA SERRA DO TARDIN HOMENAGEAVA PADRE MELLO, NO DIA DE SÃO SEBASTIÃO


Foto: Diego Braga
Capela de São Sebastião, na Serra do Tardin
    
 No dia 20 de janeiro de 1938, a Serra do Tardin, onde se edificava a Capela de São Sebastião, recebeu Padre Mello, com festa. Antonio Silva, o Poeta da Serra do Tardin, saudou, assim, em versos, o pároco:


Em louvor ao padre ilustre
De Bom Jesus, linda terra,
O Sol, hoje, aqui hoje na Serra,
Apareceu com mais lustre...

É que o sol soube, sorrindo,
Da vossa honrosa visita,
Ante a qual, vede, palpita,
Nossa alma, num gosto infindo.

Os irmãos  Nunes, reunidos, 
Tudo fizeram, com ardor,
Para mil encantos por
Nestes momentos floridos.

Eles vibram o alaúde
De uma fé, que está ao nível
Do sol, em honra a visível,
Excelsa e grande virtude

Da alma do vigário amigo,
A quem, mui sinceramente, 
Com simpatia fremente,
Nesta hora azul eu me ligo.

Reparai, meu padre, em volta
De vossa pessoa amada:
É só gente entusiasmada,
Que frases de afeto solta,

Com fervor, carinho e crença,
Para o bom santo que veio
Conferir-lhe o grato enleio
Da vossa cara presença.

Esse bom santo é o padroeiro
Desta sonhada capela,
Para o qual nossa alma apeia,
Com um desejo alvissareiro,

No sentido iluminado
De vê-la, breve concluída,
Para glória, orgulho e vida
Do nosso lugar amado.

E, certo, São Sebastião,
Cheio de amor e de zelo,
Atenderá este apelo,
Feito, assim, de coração,

Defronte do grande vulto
Que há de ao alto céu levá-lo;
Vulto expressivo a quem falo,
E perto do qual exulto,

Para dizer, sem receio,
As palavras que aqui  vêm:
Padre! A Serra do Tardin
Vos abre agora o seu seio!


Antonio Silva
20.1 1934

Fonte: A Voz do Povo. Acervo: Museu da Imprensa do Espaço Cultural Luciano Bastos

Acervo de Antonio Soares Borges
Acervo: Antonio Soares Borges


                     O SOLAR DOS TARDIN

                                 Delton de Mattos



     Há pouco tempo voltei a visitar o antigo Solar dos Tardin, para reviver queridas lembranças da juventude, ouvir novamente o eco da pedreira do outro lado do vale, e admirar mais uma vez aquele belo e sólido casarão de fazenda, que o rigor do tempo não consegue destruir. Fotografei com emoção todos os ângulos da sua singela e sólida arquitetura colonial.
    Mas o bom mesmo teria sido que um pintor de gênio o retratasse, com os variados matizes das tintas e das cores, e reproduzisse os ritmos daquelas formas penetradas de silêncio, revolvendo o teor de velhas linguagens, adivinhando os anseios e alegrias das gerações que ali viveram, e perscrutando a riqueza de amor e vida que impregna as suas vetustas paredes. Pressentimos segredos e mistérios nos seus quartos e corredores abandonados, nas suas escadas e assoalhos de rígidas peças de madeira de lei.
    Quem sabe se nas definições de suas imagens vacilantes, e nas sombras expressionistas dessas figuras fugidias, não seria possível vislumbrar os contornos de criaturas apaixonadas, em colóquios sussurrantes nas velhas janelas, balbuciando confidências para a solidão da paisagem, Ali outrora retumbaram anseios e emoções, ecoaram cânticos de sabor antigo ao som de flautas e violas, dançaram os pares enamorados ao compasso das sanfonas. Ali todas as pedras foram colocadas pelos braços dos escravos. E não há formas, nem as mais simples, até os engates dos blocos de pedra e das vigas de madeira, que não sejam o resultado da ferrenha vontade humana de evoluir e espalhar a vida.
   Estão ainda intactas as antigas estruturas de argamassa, ligadas pelo legítimo óleo de baleia, mais forte do que o cimento, e transportado em lombo de burro do Porto de Limeira para o alto da Serra. Por isso, o indestrutível Solar, edificado pela experiência europeia de François Tardin, resiste altaneiro o transcorrer dos anos, enquanto todas as construções das cercanias, de datas mais recentes, de há muito já desapareceram. Mantém-se firme como um palácio de sonhos, no meio da paisagem desolada e da monotonia da pastagem.
   Que fim levou a escolinha do Chico Pereira, onde estudei as primeiras letras, a pequena venda perto do bambuzal, em que as crianças compravam balas e pão doce feitos em casa? Que fim levou o campo de futebol das animações de domingo, a ciranda das meninas nas noites de São João? De tudo isto não resta hoje um sinal, sem falar da máquina de pilar café, que acordava os moradores da região nas madrugadas, com os seus apitos estridentes ecoando pelas encostas, e que de há muito fora devorada por um incêndio criminoso.
   No passado do Solar dos Tardin, há recordações e lendas de fatos reais, como a de fantasmas de escravos que gemiam pelas cumeeiras, nas noites de lua, ou a da jovem criada por Dona Jesuína, barbaramente assassinada pelo mal encarado maquinista Antônio Maurício, ao tentar possuí-la na beira do valão.
   Até agora ninguém pôde me informar como François Tardin chegou à Serra, que fora inicialmente colonizada pelo meu bisavô Elias Nunes, mas que acabou mesmo recebendo o sobrenome do famoso suíço. Mas é certo que ele conheceu a jovem viúva Jesuína, lá pelas bandas de Carabuçú, filha do pioneiro Francisco Furtado Costa, um daqueles onze posseiros da primitiva Bom Jesus, então chamada Monte Alegre, que se cotizaram para legalizar as terras da Paróquia.
   Segundo os levantamentos do Padre Mello, sempre precisos e exatos, não há dúvida de que Francisco Furtado Costa tornou-se muito cedo proprietário na Serra do Tardin, e não o seu irmão José Rodrigues Costa, conforme reza uma equivocada tradição, pois este de fato ficou numa gleba da Soledade.
   A jovem Jesuína casara-se em primeiras núpcias com João Pereira, com quem teve quatro filhos: Francisco, (Chico) mestre-escola, e padrinho do meu pai Mário Nunes; João, (Dango), que foi dono das terras hoje pertencentes aos herdeiros do Pedrinho Teixeira; Durval, sitiante em Santo Antônio dos Milagres; e Maria, a conhecida e respeitada "Dona Inhanhá". Jesuína era organizada, dinâmica, corajosa, notável dona de casa, e ainda por cima bonita e bem de vida. É fácil compreender que tenha atraído a atenção do inteligente suíço François.
   Por coincidência, ele também era viúvo, e tinha um filho casadouro chamado João. O resultado foi que o velho François (Francisco) veio a casar-se com a viúva Jesuína, e após algum tempo o moço João, com a filha dela, a prendada e muito bonita "Inhanhá". Consta que, quando os jovens ficaram noivos, os pais mandaram João de volta a Friburgo, de onde proviera, e esperar ali, em casa de parentes, até as vésperas do matrimônio, para que os nubentes não coabitassem o mesmo teto enquanto solteiros.
   Desse duplo casamento, tão raro e até romanesco, iriam surgir duas proles dos Tardin. A primeira, constituída pelos filhos de François e Jesuína, a saber: Abílio (pai de Jesuína, filha, Muleta, Olga, Lídia, José, Mario, Zilda, Zuleica, Francisco e Maria José); Leonides, que chegou a ser um respeitado comprador de café, e que, quando o criminoso Antônio Mauricio pôs fogo na máquina, queimando centenas de sacas da rubiácia, perdeu tudo o que tinha, mas depois fez questão de honrar todos os seus compromissos de compra; Ana, a "Sinhana"; e o caçula Alfredo, último que deixou a Serra do Tardin, mudando-se para a cidade.
   Quanto à outra prole, resultante do casamento dos jovens João e "Inhanhá", contava doze irmãos: Zoga, Zico, José, Alcira, Eufrásia, Maria, Geraldina, Otília, Sebastião, João, Ana e Filadelfo. Em princípio, todos "deram certo". Seria demasiado extenso discorrer aqui sobre o destino de cada um deles.
  Entretanto, gostaria de dizer algumas palavras sobre a descendente Otília. Ela se casou na serra do Tardin com o alemão Segismundo Fassbender, que ali chegou ainda na juventude, depois sie muitas aventuras em diversas andanças, a apaixonou-se ao mesmo tempo, pelas lindas montanhas e pela bela adolescente de quinze anos. Era ele um trabalhador inteligente e pertinaz, marceneiro de primeira ordem, e provinha das românticas margens do Reno. Nessa terceira família, reuniram-se três vertentes psicológicas: a perspicácia mineira herdada de Dona Jesuína, a fleugma segura dos suíços Tardin e o gênio curioso e perseverante dos alemães Fassbender.
   Segismundo e Otília tiveram os filhos João, Astolfo, Edmundo, que viria a ser vice-prefeito do então Distrito de Bom Jesus, Sidney, Ana, Hylda, esposa de Napoleão Teixeira e mãe do também escritor e professor universitário João Regis, Maria (Mariazinha), casada com o brilhante advogado e professor Deusdedit Tinoco de Rezende, e que era muito apegada à Serra do Tardin, Nair (Nairzinha), segunda esposa do saudoso médico e deputado César Ferolla e Otília (Otilinha), casada com o poeta e escritor Josival Barreto.
   A melhor fonte para estudar os Fassbender são os escritos de Napoleão Teixeira, publicados na imprensa local em 1973. Entretanto, não sabemos muito a respeito dos primeiros anos deles na Serra do Tardin, em cuja localidade denominada "Fogão" foram nascidos e criados os filhos mais velhos de Segismundo, que ali aprenderam a ler e escrever, na escolinha da minha tia Carmélia (esposa de Pedro Nunes), no início sentados sobre sacas de café, em lugar de bancos e cadeiras. Tia Carmélia foi uma admirável mestra: de -primeiras letras. Graças à sua inata eficiência pedagógica. Era muito respeitada desde que chegou ao "Fogão" recém-casada, vindo de Cantagalo. Era capaz de solucionar com facilidade os casos mais complexos da aprendizagem.
   Quando Segismundo resolveu sair da roça, não só para tomar conta de uma máquina de pilar café em Bom Jesus, mas principalmente para dar aos filhos melhores condições de ensino, deixou Otília e as crianças por algum tempo na fazenda do meu avô Elias Nunes. Segundo ainda lembra com saudade o meu pai, as crianças se divertiram a valer, tomando banho no valão, chupando laranjas e mexiricas tiradas diretamente das árvores, brincando de esconde-esconde nos montes de palha de feijão, assando abóbora com melado na brasa, e cantando canções de roda no terreiro.
   Tinha eu dez anos, e ia a cavalo à escolinha da Sebastiana Garcia (Ziza), que ficava na Cachoeira, quando meu pai me mandou representá-lo num banquete na cidade em homenagem a Edmundo Fassbender, pela sua nomeação para o cargo de vice-prefeito. Corria o ano de 1936. Lembro-me do meu embaraço naquela confraternização, em que passou de mão em mão uma sobremesa "enjeitada", com uma pequena caricatura feita por Romeu Couto. Eu era um menino magro e mal vestido da roça, a única criança solenemente sentada entre os adultos notáveis da cidade, a ouvir longos e cansativos discursos, dos quais mal entendia umas poucas palavras, e mesmo assim fiquei sabendo que se tratava de um homenageado ilustre e muito querido.
   Mas desde aquela noite, em que voltei para casa debaixo de chuva, montado no lerdo burro "Douradinho", e depois das explicações de minha mãe Pautilha a respeito de seus amigos Fassbender e Tardin, passei a admirá-los com entusiasmos já com uma espécie de deslumbramento intuitivo diante de tudo o que é autêntico e de boa cepa. 

NOTA - Depois de publicado este artigo, recebi excelentes subsídios sobre as origens dos Tardin, enviados por Heloísa Tardin, filha da saudosa Zuleica, e que é doutorada nos Estado Unidos. Recebi também da "Otilinha" cópia dos artigos de Napoleão Teixeira a respeito de Segismundo Fassbender. Agradeço a ambas a gentileza.

(1991)

Arquivo de O Norte Fluminense






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