terça-feira, 30 de junho de 2020

A casa de veraneio do Marquês da Praia e Monforte

Artigo no Diário dos Açores a 17/06/2020:



"A casa de veraneio do Marquês da Praia e Monforte

Em termos gerais as casas nobres são construções de cariz particular ou doméstico, exibindo o poder económico dos seus proprietários e representando da melhor forma, as tendências estilísticas dominantes através do emprego de materiais de melhor qualidade. 
A residência aristocrática deve ser entendida na dupla acepção de casa-residência e casa-instituição nobiliárquica, pois traduzia o poder económico e prestígio social daquela família. Aliás a mesma família podia possuir diversas residências: casas e quintas em locais diferentes. Aqui temos de ter em atenção que, nos Açores, uma residência nobre em seio urbano era designada como “casa” e em meio rural era denominada por “quinta”. 
A residência do Marquês da Praia e Monforte no Largo Bom Despacho, limite da freguesia de Arrifes e de São José, é um exemplo da abundante tendência da edificação de casas torreadas em meio urbano, neste caso, em local de transição entre a cidade de Ponta Delgada e a freguesia em estudo. O Morgado Câmara afirma que a casa era constituída por: “(…) um grande pátio todo murado, com duas casas de habitação, uma delas com torreão e varanda, e com as demais construções acessórias, como forno de pão, arrecadações, abegoarias, celeiros e lagares, tudo num local com óptimos ares e linda vista.”. 
O muro que delimita a propriedade exibe em pedra uma insinuação de pequenos canhões, virados a sul, que outrora serviam de proteção a fim de afastar os piratas e corsários. Esta tipologia permitia uma afirmação contra o isolamento pois tinha vista para o mar. Em redor das casas a propriedade dispõe de pomar, horta, laranjal, jardim, estufa, alpendre, piscina biológica e zonas de lazer. 
A casa torreada apresenta-se em três pisos com varanda corrida no andar nobre: (…) envolve os quatro lados da torre protegida por um varandim de ferro. Acima da cornija superior corre uma balaustrada de pedra apenas nas vertentes sul e poente. Os vãos são amplos, com caixilhos de dois batentes e molduras simples com lintel curvo e cornija saliente. Na fachada sul situava-se o acesso à torre através de uma escadaria semi-circular de três degraus decrescentes. Interiormente, uma escada encostada ao anglo sul/nascente atinge o último piso em lanços paralelos. No piso superior uma janela de sacada de maiores proporções e ladeada por duas pilastras de basalto assinala um eixo vertical que começa na porta de entrada. Existe um anexo, constituído por um único piso, com um compartimento e uma cozinha com caixa-do-lar, forno e chaminé alta de forma cónica (…). (ALBERGARIA, 2012: 229 e 230)
A casa principal apresenta dois pisos. A fachada virada a sul, antes das obras na década de oitenta do século XX, exibia no piso inferior uma escadaria lateral com porta e era ladeada por outras três. As recentes remodelações aumentaram a largura das escadas e criaram uma abertura em arco de volta inteira sobre a antiga porta. O piso nobre é constituído por cinco portas, quatro delas com varandim em ferro que se mantiveram. A fachada da lateral esquerda era constituída por três janelas no andar superior e duas portas no inferior. As remodelações rasgaram uma nova janela na extremidade norte do piso superior, por baixo uma porta e ainda uma abertura, no limite norte do piso inferior. A lateral direita apresenta janela e porta no andar superior e ainda escadaria com pequena abertura. As traseiras exibem diversas aberturas através de janelas e portas que estão viradas para um pequeno pátio. Possui varanda sem interrupção a delimitar o piso superior do inferior que culmina numa escadaria.
O interior possui cerca de vinte divisões, adaptadas à nova função turística com escritório, dez quartos de dormir, algumas casas de banho, quatro salas de estar, duas salas de jantar e duas cozinhas. Merecem destaque algumas peças de mobiliário e de pintura que se podem encontrar por todo o solar como a cama do marquês, baús, mesas, aparador, obras de Domingos Rebelo, entre outros.
Sobre a ermida de Nossa Senhora do Bom Despacho a informação é verdadeiramente escassa. Estava incorporada na propriedade e antecedê-la, ao longo do século XIX e XX, existiu um fontanário acompanhado por dois tanques que serviam de bebedouro pra os animais.
Gaspar de Medeiros e Sousa, Juiz do Mar e Provedor das Alfândegas, herdou o vínculo instituído por seu avô Gaspar Dias. Casou com Maria da Câmara Bettencourt em São José no ano de 1644. Faleceu em 1688 após realizar o seu testamento. Tendo sido confrontado com a acusação de possuir sangue judeu em 1606, por parte da avó materna, Maria Fernandes, natural de Sevilha, obteve alvarás de justificação de cristãos velhos e em função disto, escolheu o nome de “bom despacho” para designar o local onde residia. A “pureza de sangue” foi concedida por carta Real e assim, erigiu uma ermida que invocava o momento do “bom despacho” a seu favor.
A ermida provavelmente caiu em ruínas por abandono da família, no entanto, na década de cinquenta do século XX, acreditava-se que a imagem da padroeira se encontrava no oratório particular dos herdeiros da família.

Para mais informações note-se as obras: “A Casa Nobre na Ilha de S. Miguel: do Período Filipino ao Final do Antigo Regime” de Isabel Albergaria; “Apontamentos Histórico-Genealógicos sobre a Família Borges-Coutinho de Medeiros e Dias: Condes-Viscondes da Praia, Viscondes de Monforte, Marqueses da Praia e de Monforte” de A. Câmara e “Genealogias de São Miguel e Santa Maria” de Rodrigo Rodrigues.

Este texto não segue o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa."


Enviado por Antonio Soares Borges

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