segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

AGORA TU, AGORA EU



                                                    
        Saulo Soares





         Sede de sentido. É o título de um pequeno caderno – Ed. Quadrante - do Prof. Viktor Frankl, fundador da Logoterapia. Trata, obviamente, do sentido que “damos” à vida, especialmente à nossa vida. Diz ele que o sentido de nossas vidas não pode ser “dado”, mas somente encontrado. Não podemos criar um sentido, é preciso descobri-lo. Relaciona essa procura e descoberta com a felicidade. Ela – a felicidade - não é algo diretamente conquistado, e sim uma conseqüência dessa descoberta. Se encontrarmos o sentido, receberemos a felicidade como um efeito, um resultado desse encontro.

         Segundo Frankl há três experiências fundamentais para que isso aconteça: o amor a alguém, o serviço a um ideal e a aceitação do sofrimento inevitável em nome de algo maior. Olhando para essas três dimensões podemos chegar a uma conclusão: a felicidade, então, está... no outro. Não está em mim. Não está no ego. Não está no egoísmo. Está no outro. Talvez seja essa a grande conversão: do egoísmo para o amor. Não dessa para aquela religião, mas da conversão de um movimento interior centrípeto, voltado para si mesmo, para um movimento centrífugo, que foge do próprio centro e vai em direção ao outro.

         Disse isso por causa do Natal que se aproxima. È comum falar e escutar com saudosismo: perdeu-se o verdadeiro sentido do Natal... Como se nós nada tivéssemos com isso! Não estimulássemos esse consumismo desenfreado! Não contribuíssemos para a troca dos valores evangélicos por cifrões! Não fossemos, tantas vezes, avaros e pouco generosos... Culpados ou não, perdeu-se o sentido do Natal e é preciso reencontrá-lo.

         E o que o título desse pequeno artigo tem a ver com isso? Leia essa singela história que a seguir transcrevo e entenderás. Ela foi narrada por Urteaga e fala-nos de dois ciganinhos, um de dez anos, outro de cinco, famintos que, depois de várias tentativas, conseguem algum alimento: um pote de leite. Aqui começa o diálogo:

- Senta-te. Primeiro bebo eu e depois bebes tu.

         Dizia aquilo com ar de Imperador. O menorzinho olhava para ele, com seus dentes brancos, a boca semi-aberta, mexendo a ponta da língua.

         Eu, como um tolo, contemplava a cena. Se vísseis o mais velho olhando de viés para o pequenino! Leva o pote à boca e, fazendo gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite. Depois, estendendo o vasilhame, diz ao irmão:

- Agora é a tua vez. Só um pouco.

         E o irmãozinho sorve fortemente.

- Agora eu.

         Leva o pote já meio vazio à boca, e não bebe.

-Agora tu. Agora eu... Agora tu... Agora eu...

         E depois de três, quatro, cinco, seis goles, o menorzinho de cabelo encaracolado, barrigudinho, com camisa de fora, esgota  o leite. Esses “agora tu”, “agora eu” encheram-me os olhos de água! É assim...que temos de nos amar.”

         Jesus nasceu em Belém, que quer dizer “Casa do Pão”, lugar apropriado para nascer o Pão da Vida, Aquele que se faz alimento para nós. Sejamos também “alimento e vida” para nossos irmãos e, quem sabe, descobriremos o verdadeiro sentido de viver. O verdadeiro sentido do Natal.



         Feliz “redescoberta” do Natal!



                                        

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