Ana Maria Silveira |
Badger não imaginava reencontrar "seu" Fonsequinha.
Muitos anos mais tarde, passou a revê-lo em situações palacianas.
Por antiguidade e pelo bom desempenho na profissão, Fonsequinha era um dos fotógrafos oficiais do governo do Estado do Rio de Janeiro.
Exatamente no dia 22 de novembro de 1963 Badger, como governador, recebeu o presidente João Goulart no Palácio do Ingá, em Niterói, sede do Governo Fluminense, assim como seus familiares e toda a sua comitiva.
Após a recepção, autoridades e acompanhantes começaram a se dirigir ao estacionamento, onde estavam os automóveis que os levariam ao Sindicato dos Ferroviários, na Estrada Fróes.
Devido a uma queda de um cavalo o Presidente claudicava, e subir ou descer muitos degraus lhe eram desconfortáveis.
Todos já haviam descido a longa escadaria do palácio quando seu Fonsequinha decretou que a foto oficial não estava do seu agrado. Sinalizando com os braços e balbuciando alguma coisa, fez com que todos subissem a escadaria novamente e se posicionassem conforme ele ordenava.
O Presidente olhou incrédulo para o Governador, e este, deu a entender ao amigo que precisavam ter um pouquinho de paciência para com o octogenário fotógrafo.
Depois de posicionar todos os presentes conforme queria, Fonsequinha alinhou seu instrumento de trabalho, e, pedindo para que todos ficassem imóveis, acionou o clique daquela enorme máquina fotográfica.
Novamente aquele clarão assustador, o barulho de trovão, mas já sem a fumaça de antigamente!
Ninguém conseguiu segurar o riso quando Jango comentou:
- Badger, você precisa doar uma câmera mais moderna para seu fotógrafo!
Badger ria tanto que nem conseguiu responder. Até porque veio à sua mente a queixa dos outros fotógrafos: de que, sem a menor cerimônia, o mais antigo colega entrava na frente dos outros em busca de uma melhor posição para o disparo da sua câmera pinhole...
Ao chegarem ao estacionamento, o único automóvel com motorista era um belo Cadillac conversível, último modelo, que Badger pedira emprestado ao amigo Darcy Silva para conduzir o Presidente, já que o restante da frota se encontrava em situação de avançado desgaste.
Responsáveis por esses, não havia nenhum motorista presente.
Antes que o governador perguntasse, João Brasil, naquele momento responsável pelos deslocamentos automobilísticos chegou nervoso, gesticulando, se justificando:
-Badger, esses desgraçados desses seus motoristas(*) sumiram! Falei pra ninguém arredar o pé daqui, mas não adiantou...
Percebendo o amigo Jango perplexo, Badger apressou-se na apresentação:
-Presidente, este é meu cunhado João Brasil, por quem tenho enorme apreço...está me ajudando hoje.
Tão logo João saiu, Jango sussurrou: "É, Badger, já eu tenho um cunhado que me dá muito trabalho", referindo-se, brincando, ao Brizola.
Tudo resolvido, fomos todos para o local do sindicato. Havia uma multidão para recepcionar o Presidente. Por coincidência, era aniversário de João Vicente, seu filho mais velho, que estava presente, assim como D. Maria Teresa, a primeira dama e a pequena Denise. Uma família que chamava a atenção pela beleza. Todos eram muito bonitos!
Mal chegamos, meu pai, segurando a minha mão, me disse: "Não desgruda desse garoto por nada, minha filha!"
Assim fiz.
João Vicente parecia acostumado a multidões! De uma vivacidade incrível! Ágil, corria para todos os lados, subia, descia, se embrenhava no meio das pessoas e com a maior simpatia respondia aos muitos acenos!
Ficou encantado com o enorme bolo de aniversário que lhe ofereceram. Queria a todo momento saber quando iriam cantar os parabéns, mas eram tantos os discursos políticos, tantos aplausos, que nunca chegava a hora.
A tarde se abrilhantou com a homenagem ao pequeno João. Não tirava os olhinhos do bolo. Não se assustou com a multidão cantando e gritando seu nome.
Pouco tempo depois chegou a notícia de que o Presidente John Kennedy acabara de sofrer um atentado. Baleado, não resistira.
A festa foi encerrada para os representantes políticos, mas continuou animada para o povo.
Só me dei conta da maratona, à qual sobrevivi, depois que o helicóptero presidencial decolou, ao som ensurdecedor de aplausos e do Hino Nacional.
Percebi que não vi ninguém, não ouvi nenhuma fala, não senti o tempo passar, mas que me foi gratificante correr atrás daquele gurizinho inesquecível.
Quanto ao "seu" Fonsequinha, saiu frustrado da festa do sindicato. A multidão era tamanha que ele não teve espaço físico para esparramar as pernas do tripé da sua máquina fotográfica.
Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira
Quem nao conheceu seu Fonsequinha . Fui clicada por ele quando no primario . Demorava tanto que no final nos ja não estávamos com nossos lacinhos na cabeça . Parabens Ana querida pelo belo texto , que so trás recordacões.
ResponderExcluirAna Maria , como é bom ler os seus textos , suas histórias. Realmente , é um texto muito bem escrito e a história ( verdadeira) das passagens de sua família , na política , e sua memória , lembrando de todos os fatos e e até o nome do garotinho , que não parava e até de quem era filho. Gostei deste texto , como sempre.
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