quinta-feira, 6 de junho de 2019

Padre Mello e o Sapo: texto de 1943




https://sites.google.com/site/padreantoniofranciscodemello/7-obras/cronicas-escolhidas---paginas-memoraveis-de-bom-jesus-do-itabapoana---editadas-por-delton-de-mattos/cronicas


A VISITA DO SAPO 

Um sapo! Um bicho feio, asqueroso, que aliás tem a virtude de se tornar quase invisível, contentando-se com a escuridão de um buraco ou a lama de um brejo. Agora porém empoleirou-se aqui na atitude de quem diz: "Vou entrar em cena!"
É verdade que em cena já se apresentou há anos, não sei se aqui mesmo, mas nessa ocasião foi como índice de uma entidade humana, como protagonista de um Apólogo, ocasionado por um miserável que bem mereceu (Que Deus me tenha perdoado!) aquela representação.
E tão bem ajustado foi o representado ao representante (tais foram as circunstâncias), que a referida peça teve a honra de ser mais de uma vez lida enfaticamente aos seminaristas, no Seminário de Campos, por Sua Excelência Reverendíssima Dom Mourão, que estava bem a par do fato.
Hoje porém o nosso bicharoco é aqui apresentado em sua personalidade horrenda, que, segundo se diz, um dia foi a favor de um espanholzinho recentemente chegado da Europa.
O ingênuo rapazinho observou casualmente em um recanto qualquer um sapo que o fitava, com seus grandes olhos arregalados e boca escancarada. Que horror! Pobre mocinho! O pavor pôs-lhe na vista uma lente de grande aumento que o fez julgar-se fulminado por aqueles olhos e devorado por aquela boca. "Olhos arregalados, boca de um túnel", escreveu ele à família entre as impressões do novo ambiente.
Mas outro é o motivo que me levou a ocupar-me do nosso sapo. Há dias (escrevo ainda no Hospital), na área que fica nos fundos da minha cela, levantou-se grande alarido entre a meninada da enfermaria infantil que se achava em recreio na referida área.
O alarido atraiu a atenção da Irmã Delfina, Superiora da casa de saúde, que passava no corredor, e entrando no meu quarto chegou-se à janela e viu logo que aquele barulho provinha da perseguição a um pobre sapo. Este pulava com tal presteza que enganava toda a atividade dos garotinhos. Daí o barulho. A Irmã gritou logo: "Meninos, não façam isto! Não matem o sapo! Matar sapo é um crime!"
E eu apanhando e destacando esta frase disse à Irmã. "que belo tema para urna crônica. Vou escrevê-la".
A Irmã Superior bem havia exposto, em síntese, as razões de sua sentença digamos jurídica, mas entendendo muito bem o que podia ser desentranhado da sua criteriosa frase, obrigou-me a converter a simples promessa em compromisso, e eis-me aqui a cumpri-lo.
"Matar sapo é um crime!" E por que não? Em tese, crime é qualquer transgressão da Lei, e sua gravidade depende da categoria da lei. Na lei moral ressalta um artigo que diz: "não prejudicarás o próximo", e o outro que completa: "Faze ao próximo o bem como se a ti mesmo". Perante estes raciocínios, toma-se preciso que o sapo mereça essa referência, pois é um grande benfeitor da humanidade.
Não há quem ignore a existência de multidões de insetos, lagartas e outros seres minúsculos que prejudicam os vegetais, principalmente as culturas mimosas de hortas, e se estas se acham nas proximidades da moradia dos sapos, estes as devoram em proveito próprio, é certo, mas também em benefício dessas culturas. Desta forma, torna-se o sapo um benfeitor, um verdadeiro empregado público sem ônus para os cofres públicos ou de qualquer particular. Seria o sapo um animal feio e asqueroso? A resposta é a sua defesa.
A Providência Divina assim o fez para ninguém o cobiçar, nem para regalo da musa nem encanto dos olhos. Ele fica assim tranquilo no seu buraco ou na sua lama. Geralmente, no brejo onde, em noites calmas, se diverte tomando a batuta e marcando o compasso, na cantoria confusa dos seus camaradas.
Infelizmente, não tenho mais espaço. Senhores lavradores, chacareiros e hortelões, ensinai a vossos filhos aquilo que a boa Irmã Superior desta Casa de Saúde, do peitoril da minha janela, ensinou à meninada em voz alta e imperiosa:
"Matar sapo é um crime!"
Novembro de 1943

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