quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Bonjesuísmo: O Verbo Vivo de Bom Jesus do Itabapoana

A Arte Sutil de Bonjesuizar-se


Gino Martins Borges Bastos 

Há cidades que se explicam por mapas. Outras, por estatísticas. Bom Jesus do Itabapoana, porém, só se compreende com vocabulário próprio, quase um dialeto sentimental. É que ali, entre esquinas conhecidas e montanhas que parecem cochilar de tarde, nasceu um jeito peculiar de existir: o bonjesuísmo.

Octacílio de Aquino e Delton de Mattos, escribas de alma afiada e olhar matreiro, sacaram isso antes de todo mundo. Perceberam que os bonjesuenses não apenas vivem na cidade: eles a conjugam. Cada rua tem sujeito oculto, cada gesto pede vírgula, cada história termina em reticências, jamais em ponto final. E assim registraram um modo de ser que não cabe no Aurélio, mas cabe no coração da praça.

Bonjesuense, claro, é quem nasce aqui; mas bonjesuísta é título mais complicado. Para conquistá-lo, o forasteiro deve passar por uma espécie de rito iniciático, o sagrado processo de bonjesuização. Não há manual, não há cartório, há experiência. O candidato precisa aprender a medir o tempo pelo barulho do rio, identificar conhecidos pelo “uai” disfarçado, e dominar a arte antiga de cumprimentar alguém com uma frase que já é fofoca, pergunta e bênção ao mesmo tempo.

E quando o sujeito finalmente se bonjesuiza... aí o idioma começa a trabalhar sozinho. Tudo vira verbo, vira expressão, vira poesia do cotidiano. Surgem neologismos como milho brotando depois da chuva. O povo reinventa palavras com a naturalidade de quem planta café. Não se diz apenas; cria-se.

Veja o caso de puaia. Era, originalmente, uma planta medicinal. Em qualquer outro canto do mundo, seria isso e pronto. Mas não em Bom Jesus do Itabapoana, território onde o dicionário anda sempre descalço. Aqui, puaia virou elogio exagerado, aquela puxação de saco tão caprichada que quase dá para amarrar um laço em volta. “Fulano é uma puaia só”: e pronto, está dito o que nenhum sinônimo explica.

Esse gosto por reinventar palavras não é mero capricho linguístico. É que a cidade vive situações que o vernáculo nacional ainda não deu conta de batizar. O bonjesuense sente, percebe, inventa, e o idioma corre atrás. Bom Jesus é, portanto, terreno fértil para a agricultura do neologismo, uma horta viva de expressões caseiras.

E assim segue a cidade: conjugando gente, colhendo histórias, brotando palavras. No fim das contas, o bonjesuísmo é isso, uma maneira de pertencer a um lugar que se move entre o concreto e o simbólico, entre o mapa e a memória. Um jeito de existir que não se explica por definição, apenas por convivência.

E quem chega, se fica tempo bastante, acaba aprendendo que a vida ali também se escreve em murmúrios, exageros carinhosos e risos de varanda. Aprende, sobretudo, que para ser bonjesuísta não é preciso nascer, basta se bonjesuizar.

E isso, meu amigo, não tem dicionário que dê conta. Só Bom Jesus do Itabapoana mesmo.

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