A Odisséia Documental de Padre Mello
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| O Retorno dos Manuscritos de Padre Mello: Francisco Amaro Borba Gonçalves, Gino Martins Borges Bastos e Lilian no La Parrilla |
Décadas se passaram, e o tempo, esse colecionador de segredos, guardou bem a sua surpresa.
Foi por volta de 2000, em Lisboa, que o pesquisador Dr. Márcio Pacheco, distraído pelo encanto das letras antigas num alfarrábio, escolheu alguns manuscritos pela beleza das caligrafias. Não sabia ele que, ao abrir aquelas páginas, abriria também uma porta entre mundos. Só mais tarde, em casa, percebeu que aquelas linhas eram de Padre Mello, versos que haviam cruzado o Atlântico, obedecendo a um destino maior que a lógica dos homens.
Cinco décadas depois da morte do padre-poeta, seus manuscritos ressurgiram como quem renasce.
As explicações que as academias desejam são muitas, mas não pertencem a esta crônica: elas são tarefa dos que estudam. Aqui importa o milagre discreto.
Em buscas pela internet, Dr. Márcio encontrou o jornal O Norte Fluminense, guardião da memória açoriana em terras bonjesuenses. Ali encontrou não apenas notícias, mas uma ponte. Recebeu livros, enviou artigos, participou de uma live que ecoou como prece registrada, tudo soprado pela boa ventura.
E agora, guiado por esse mesmo sopro, prepara um livro sobre Padre Mello que promete reverberar no Brasil e nos Açores.
Mas eis que o destino lhe pede mais um gesto. E ele entrega: resolve doar os manuscritos e toda a sua biblioteca à Casa dos Açores do Espírito Santo. O presidente Dr. Nino Moreira Seródio acolhe a notícia com a alegria dos que reconhecem quando o sagrado toca a terra.
Havia ainda o desafio do frete. Como trazer de Natal uma biblioteca inteira que carrega mais alma que peso? A Providência responde ao modo açoriano: com o sopro do Divino Espírito Santo. Francisco Amaro Borba Gonçalves, açoriano movido por um chamado que não se explica, parte do Rio de Janeiro, atravessa 2500 km em três dias de estrada. Sua picape torna-se romaria sobre rodas. Traz, na carga e no coração, o padre que um dia chamou Bom Jesus de “Meu Campinho”.
E assim, no dia 2 de novembro, Dia de Finados, quando se recordam ausentes, Padre Mello retorna. Seus manuscritos chegam a Bom Jesus do Itabapoana, entregues a Gino Martins Borges Bastos para análise, conforme orientação de Dr. Márcio. Em vez do luto, celebra-se ali o renascimento do poeta.
A biblioteca já repousa na sede da CAES; os manuscritos logo se juntarão a ela, quando os estudos se concluírem. Como num grande quebra-cabeça espiritual, cada peça se encontra, cada fragmento de história ilumina o próximo.
Padre Mello, camponês da ilha de São Miguel, seminarista em Angra do Heroísmo, sacerdote com alma de verso, tornou-se, nas palavras de Delton de Mattos, um dos “Gênios da Civilização e da Cultura”. Seu viver e escrever foram poesia contínua, por isso ecoam, por isso permanecem.
E seu retorno, agora, é sopro.
Sopro que tocou Dr. Márcio na descoberta dos manuscritos;
sopro que o moveu à doação;
sopro que guiou o presidente Dr. Nino no acolhimento;
sopro que empurrou Francisco Amaro Borba Gonçalves a cruzar estradas e distâncias;
sopro que devolveu Padre Mello à terra que fez sua.
Se existe o círculo vicioso, existe também o círculo virtuoso, aquele que se forma devagar, sem alarde, e que vai costurando fé, esperança, união, alegria e amor.
Um círculo que, desta vez, se fecha com poesia.

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