quarta-feira, 18 de abril de 2018

O Dia de Antero



Em Dia de Antero, e com um grato abraço ao Professor  Luiz Fagundes Duarte, fica este texto sobre um importante livro.

Ler Antero é mergulhar num mundo difícil de Filosofia, de vida, de encantos e contradições. Mas é, ao mesmo tempo, uma viagem apaixonante pelo pensamento de um génio e pelas angústias de um humanismo que transcende o eu e se projecta na imortalidade literária que só a muito poucos pertence.

Desde que amo os livros, amo Antero e os seus poemas, essencialmente os sonetos, para mim a forma mais perfeita de poesia. Por isso mesmo, ao saber que ia ser apresentada este ano uma edição crítica da sua obra poética, da autoria de Luiz Fagundes Duarte, tudo fiz para acompanhar e ter oportunidade de ler o I Volume que me chegou, com um abraço do autor, ainda antes da sua apresentação, em Ponta Delgada, no dia 2 de Março, na Biblioteca Pública, a que me foi impossível estar presente, por compromissos inadiáveis.

Este Volume I – que inclui Odes Modernas e Primaveras Românticas – tem sido minha leitura frequente, porque, tanto na forma como está organizado, como na profundidade dos conceitos e do encadeamento do exame crítico, propicia-nos uma consulta lenta, saborosa e frutífera.

Na minha opinião de leitor atento, e é só nessa qualidade que escrevo, dado que não possuo conhecimentos nem capacidade para mais, Luiz Fagundes Duarte consegue prender-nos a atenção pela maneira como consegue dosear o conhecimento científico com uma maneira de escrever que está ao alcance mesmo daqueles que, não tendo entrado no mundo da Filologia, gostam de acompanhar a evolução que vai tendo a obra de qualquer autor e neste caso, do nosso Maior, Antero de Quental.

Luiz Fagundes Duarte não precisa de qualquer apresentação. Serretense de gema, o Professor tem obra feita na Região, no País e no Estrangeiro, no campo do Ensino Universitário e da Política a que foi chamado várias vezes e a que respondeu com entusiasmo, no parlamentarismo e na governação.

Seja-me permitido dizer aqui que, nas minhas funções de mais de 40 anos de jornalismo, muitas vezes estive em aberto desacordo com Luiz Fagundes Duarte, mas isto nunca e até agora beliscou o respeito e a estima, creio que mútua, por ele e pela sua obra.

Este Antero de Quental é notável em vários aspectos. Não esgota nada do infinitamente muito que sobre ele se pode escrever, mas aparece numa altura extraordinária, quando estamos a comemorar os 175 anos do poeta-folósofo. E, reunindo em três volumes o essencial da obra poética de Antero, para além do valor do juízo crítico, consegue  que qualquer pessoa possa ter reunida, em edição do século XXI, obras que estavam dispersas e já de difícil acesso.

De resto, é o próprio Luiz Fagundes Duarte que confessa os seus receios e dúvidas em levar à frente tão grande tarefa, quando escreve que alguns anos se passaram desde que me lancei à empresa de fazer a edição crítica da poesia de Antero de Quental, que disso bem precisada anda.

Mas verdade seja dita: se no início eu tinha muitas dúvidas e incertezas, agora depois do trabalho já feito, ainda não deixei de as ter. E justifica: Primeiro porque Antero era Antero. E ao contrário de Eça ou de Pessoa não era homem para viver nos seus papéis (onde os filólogos como eu encontram o seu pasto) – era mais nos seus textos que ele vivia – e os textos, para ele, eram mais circunstâncias do que finalidades. E, frequentemente, efémeros.

Lendo todo o livro, essencialmente no “aparato crítico”, estrategicamente encadeado em páginas de tonalidade diferente, o que proporciona um fácil manuseamento de consulta e de separação entre os poemas e as análises, rapidamente nos deixamos sugestionar pela forma como Luiz Fagundes Duarte faz a comparação entre várias edições de muitos poemas de Antero até nos levar àquilo que se pode, se é que se pode, considerar a sua forma original.

Como referi no início destas Leituras do Atlântico, não estive presente na apresentação desta obra. Mas segui atentamente nas redes sociais o que escreveu Luiz Fagundes Duarte sobre aquele momento e com ele saliento aqui o seu reconhecimento quando escreve: Esta obra, mais os dois volumes que sairão ainda em 2017 («Sonetos Completos», em Maio, e «Poemas Dispersos, Alterados ou Destruídos», em Setembro), não teria sido possível sem a coragem de um editor independente, João Paulo Cotrim, da abysmo, e o empenho de Maria Carlos Loureiro e Jorge Roque, da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, que reconheceram a sua necessidade e a apoiaram. Nem, claro, sem o contributo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a cujo quadro docente orgulhosamente pertenço vai para trinta e cinco anos.

Os volumes anterianos que se seguirão contam com o trabalho de um aluno que estou formando -- Luís Afonseca --, num exemplo que muito prezo do que se pode chamar "fazer escola".

E já que refere ser uma Edição Abysmo, assim mesmo com o “i grego”, eu que me confesso anti Acordo Ortográfico, fiquei fascinado com a explicação de Abysmo, na última página do livro (ficha técnica) na acutilante e demolidora citação de Teixeira de Pascoaes: “ Na palavra Abysmo, é a forma y que lhe dá profundidade, escuridão, mistério… Escrevê-la com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformá-lo numa superfície banal”. Assim mesmo! A guerra dos “Acordos” a atravessar séculos!
Quando se lê a poesia de Antero não podemos nunca separar-nos de Antero “inteiro” que Luiz Fagundes Duarte tão bem caracteriza neste parágrafo que aqui deixo:
Antero de Quental, além de poeta de excelência, foi um grande interventor político e agitador de mentalidades. Foi-o no seu tempo, e acho que ainda o é. Mas foi, essencialmente, um verdadeiro Socialista -- e notamo-lo, para além das intervenções políticas directas que fez e que conhecemos, tanto na sua obra filosófica como literária. No tempo em que o Socialismo era uma bandeira -- e Portugal, "mutantis mutandi", aquilo que ainda hoje é.

Fico a aguardar, com toda a expectativa os próximos dois volumes, um deles, com os sonetos completos, já para Maio ou Junho e o último Volume com Poemas dispersos. Alterados ou destruídos, lá mais para o fim do ano. Confesso que depois do que aprendi nas aulas de História da Literatura, no Seminário de Angra, com o meu saudoso professor Francisco Carmo, este livro tem sido para mim uma nova aula sobre Antero.

Obrigado, Professor Luiz Fagundes Duarte.
E termino dizendo que sinto orgulho ter um açoriano – não sei se haverá outros – como Luiz Fagundes Duarte entre a galeria de autores desta colecção que já vai em 181 volumes dedicada a Obras Clássicas da Literatura Portuguesa (século XIX). Para mim é orgulho, mas será ainda mais se conseguir chegar a muitos açorianos, essencialmente nas Escolas, onde faz tanta falta aprofundar a obra de Antero.

Santos Narciso

Enviado por Antonio Soares Borges

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