A um artesão não basta a habilidade de moldar a figura no barro. Não basta o gesto paciente que afaga a argila e lhe empresta contornos de vida. Não. Para que a obra exista por completo, é preciso atravessar o fogo, o rito que amadurece a matéria e sela a vontade humana em forma duradoura.
A queima das figuras de barro, etapa decisiva no processo cerâmico, é o momento em que o frágil deixa de ser refém do acaso. Antes do forno, a peça ainda é barro: vulnerável, desmancha-se ao toque da água, parte-se com facilidade. No calor intenso, porém, reações químicas silenciosas transformam a argila em cerâmica, resistente e estável, capaz de atravessar décadas, às vezes séculos, como tantas peças arqueológicas que sobreviveram justamente porque conheceram o fogo.
É nesse instante que a forma se fixa, que o artista sela seu gesto. A chama também colore, textura e ilumina: cada temperatura, cada atmosfera de queima molda um destino visual, mais claro, mais escuro, vitrificado ou poroso. Por isso se diz que queimar é uma arte dentro da arte.
No Sítio El Shaday, em Casimiro de Abreu, essa ciência ancestral ganha novos contornos com Dona Ivanilda, uma das mais dedicadas alunas do Mestre Artesão Daniel de Lima. Ao lado do marido, ela ergue o forno com orientação do Mestre Daniel, que integrará seu futuro ateliê. Não é apenas uma estrutura de tijolos; é a porta simbólica de sua autonomia artística. Quando o fogo começar a trabalhar, suas peças poderão nascer completas, e, com elas, virão os visitantes, os curiosos, os turistas atraídos pela força discreta da cerâmica artesanal.
O apoio do marido torna-se alicerce, assim como as oficinas do Mestre Daniel de Lima, que têm reacendido vocações e alimentado sonhos. Ali, vários ateliês começam a despontar, ainda embrionários, mas firmes, como sementes lançadas na terra fértil da Fazenda Viscondi. Crescem no tempo do coração, no ritmo lento e preciso de quem cultiva tanto o solo quanto a própria expressão.
É uma revolução silenciosa: agricultores que também são artistas, artistas que não deixam de ser agricultores. No encontro entre a terra e o fogo, surge o grande legado do Mestre Daniel, um chamado para que o mundo volte a aprender com o simples, com o artesanal, com aquilo que nasce das mãos e da paciência.
Essa, talvez, seja a lição que ecoa para além das fronteiras de Casimiro de Abreu: a arte pode ser chama, pode ser barro, mas sempre será transformação.







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