Há encontros que não se planejam. Eles simplesmente acontecem, como o barro que escapa pelos dedos e, sem aviso, revela uma forma. Assim vem sendo a união entre o artesanato do Mestre Artesão Daniel de Lima e a arteterapia de Marcele Azevedo Lima: um caminho que se faz caminhando, traçando novos rumos de maneira espontânea, natural, quase orgânica.
Marcele, arteterapeuta, conheceu o trabalho do mestre artesão e, naquele instante silencioso em que duas vocações se reconhecem, uma ponte nasceu. O artesanato, que por si só já carrega a essência terapêutica, o gesto repetido, o toque da terra, o tempo lento, ganhou com Marcele outra dimensão: a teoria profunda de Carl Gustav Jung, trazendo à luz símbolos, memórias e arquétipos escondidos no interior de cada aprendiz.
Foi de forma voluntária que ela chegou ao Ateliê Filhos do Barro, na Fazenda Visconde, em Casimiro de Abreu. Ali, entre mesas manchadas de argila e olhares curiosos, ministrou uma sessão de arteterapia. E algo se abriu. Alguns alunos não contiveram as lágrimas. Há dores que adormecem na alma por toda uma vida, aguardando apenas um gesto, um toque, uma forma recém-nascida para emergirem. O barro, cúmplice silencioso, serviu de espelho.
A junção da oficina de Daniel com o olhar terapêutico de Marcele revelou-se uma inovação certeira. A argila moldada com consciência tornou-se caminho de cura.
Daniel de Lima nasceu em Recife, no bairro de Afogados, em 1º de abril de 1977, e iniciou sua jornada artística por acaso, ou por providência. Aos 12 anos, acompanhando os pais até Tracunhaém, terra consagrada do artesanato em argila, viu de longe as filmagens de uma novela. Imaginou-se artista. Pediu ao pai para ficar ali, entre parentes, esperando novas gravações. Mas o destino tinha outro roteiro: às margens do rio, crianças moldavam passarinhos de barro e os vendiam a turistas. Fascinado, imitou o gesto. Ali começou a alquimia entre suas mãos e a terra.
Tracunhaém foi sua escola. Observando mestres, frequentando o Núcleo de Produção Artesanal, moldando, queimando e finalizando peças, Daniel deixou que a argila lhe ensinasse paciência, forma e fogo. Depois vieram Nossa Senhora do Ó, a Paraíba, Sapê, Alhandra, Brasília, o Rio de Janeiro, Campos, Casimiro de Abreu, Rio das Ostras. Seu trabalho cresceu, ganhou reconhecimento, atravessou fronteiras e, paralelo a isso, suas oficinas transformaram vidas, formando novos artesãos e fortalecendo comunidades.
Em Casimiro de Abreu, terra de versos e rios, floresce também Marcele Azevedo Lima, uma artista da alma. Sua escrita não se faz com tinta, mas com cores, movimentos e silêncio compartilhado. Papéis, canetas, pincéis, tecidos, tintas, argila: cada material é chave que abre portas interiores. Ela transforma dor em expressão, silêncio em linguagem, fragilidade em potência.
Quando o barro entrou em seu repertório, pelas mãos do mestre Daniel, ele deixou de ser apenas matéria. Tornou-se memória, corpo vivo, narrativa moldável. Marcele o acolheu como quem reconhece um velho amigo.
E assim, Daniel, maestro das formas da terra, e Marcele, terapeuta das formas da alma, sonham juntos. Exposições, oficinas, espaços onde cura e beleza se entrelaçam, onde peças de barro e gestos interiores se encontram.
Porque a arte é sempre libertação. Ela acolhe o indizível, dá voz ao silêncio, transforma lágrimas em cor, cicatrizes em escultura, dores em poema. Não importa a estética final da obra, mas o gesto que a gerou, o coração que se abriu para criar.
Nas mãos de Marcele e Daniel, o barro deixa de ser barro: torna-se metáfora. Maleável. Vivo. Capaz de renascer em novas formas, assim como cada pessoa que ousa se reconhecer diante do espelho da criação.






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