Em uma registro feito por um ex-funcionário, o vice-presidente da Campbell's, indústria do ramo alimentício, foi flagrado desprezando clientes e funcionários e usando drogas no trabalho; o ex-empregado está processando empresa.
Saiu na mídia, com letras frias e neutras, como quem anuncia o clima ou o preço do tomate:
“Fazemos lixo para os malditos pobres.”
E pronto. Passa-se à próxima notícia, ao próximo escândalo, ao próximo cadáver simbólico.
Mas algo fica vibrando no ar, um zumbido grave, como o de um freezer industrial cheio de produtos plastificados: a revelação não é apenas sobre alimentos, mas sobre nós.
Ali, numa sala iluminada por lâmpadas brancas, um executivo fuma maconha, ri, debocha, cospe seu desprezo entre uma tragada e outra.
Ele fala de carne impressa, de comida processada, de “idiotas” que produzem para “pessoas pobres”.
Palavras ditas com a naturalidade de quem comenta o trânsito, porque, para ele, a realidade sempre esteve protegida por paredes e salários.
Mas alguém grava.
Alguém ousa registrar o que se diz quando acreditam que ninguém escuta.
E então descobrimos a mecânica oculta:
não são apenas alimentos que se fabricam, mas lixo embalado em narrativa,
condensado em matéria jornalística repetida, digerida, regurgitada.
Idiotas produzem comida para outros idiotas?
Ou seriam idiotas produzindo manchetes para leitores famintos de indignação?
Que diferença há entre a lata de sopa e o texto pronto, temperado com escândalo e servindo à fome diária por notícias rápidas?
A gravação clandestina revela a podridão do estoque, mas também revela que vivemos de migalhas de verdade, dependendo sempre de um celular escondido para enxergar o óbvio.
Nos porões das fábricas, misturam-se proteínas, conservantes e desdém.
Nos porões das redações, misturam-se palavras, adjetivos e pressa.
Em ambos, o produto final é embalado, rotulado e distribuído para consumo imediato.
O funcionário que ousou falar foi descartado como embalagem vazia.
A empresa, silenciosa, segue produzindo:
comida, narrativas, justificativas.
E nós, consumidores fiéis, abrimos mais uma lata,
mais uma matéria,
mais um escândalo.
Saboreamos a indignação, repetimos, compartilhamos.
No fim, a revelação dói não porque expõe um homem, mas porque expõe um sistema inteiro, e nós dentro dele.
Talvez o verdadeiro lixo não esteja nas latas, mas na lógica que nos mantém famintos de produtos e passivos diante das verdades ocultas.
E a mídia, essa grande fábrica de sentidos, segue girando máquinas e manchetes.
Serve-nos o prato do dia, temperado com moral repentina.
Comemos.
E pedimos sobremesa.

É inaceitável que alguém em uma posição de poder e influência tenha uma visão tão desrespeitosa e discriminatória em relação às pessoas de baixa renda e a funcionários de outras nacionalidades.
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