sexta-feira, 17 de outubro de 2025

As adegas de Bom Jesus celebram a tradição açoriana e portuguesa, unindo o sabor do vinho à história da cidade

 Do Padre Mello às Adegas da Avenida: entre poesias, fé e bons vinhos, Bom Jesus reencontra nas taças o espírito de seus antepassados



Na avenida Governador Roberto Silveira, o aroma do vinho se mistura ao vento. Duas adegas respiram ali, quase frente a frente, como se conversassem em silêncio sobre o tempo e as histórias que ele decanta.

De um lado, a Emporium Vinhos, que ocupa o espaço da Arbória Espaço Gourmet, no número 790. Do outro, quase um reflexo no vidro da avenida, o Armazém dos Vinhos. Ambas florescem no entorno do Centro Universitário FAMESC, como se o saber e o sabor partilhassem da mesma cepa.

O funcionamento dessas adegas é mais que um sinal de prosperidade, é a vibração discreta de um município que cresce sem esquecer suas raízes. Cada garrafa aberta é uma celebração da cultura que veio com os ventos do Atlântico, dos Açores e de Portugal.

O vinho, afinal, não é apenas bebida, é herança líquida, é memória engarrafada.

A saudosa Ruth Fragoso de Azevedo Silveira, em entrevista histórica ao jornal O Norte Fluminense, recordava com ternura o gosto pelo vinho de seu avô, o português Manoel Antônio de Azevedo Mattos, e do açoriano Padre Antônio Francisco de Mello, que chegou a Bom Jesus em 18 de junho de 1899.

“Guardo suas poesias com carinho”, dizia ela. “Ele era apaixonado pela Festa de Agosto, quando a Igreja distribuía alimentos aos pobres. Frequentava o lar de meus avós, Manoel Antônio e D. Terezinha. Meu avô, como bom português, sabia receber seus visitantes com bons vinhos.”

Outro depoimento, o de Anny Lima de Moraes, registrado no livro Padre Mello, o Imortal, de Dra. Nisia Campos, completa o retrato com ternura:

“Era uma pessoa amada e respeitada. As crianças o adoravam. Minha recordação maior prende-se ao bar do Carlos Hirsch, onde ele ia para o bate-papo e o vinho. Por inúmeras vezes o vi fazer poesias e declamá-las. Sentava-me perto dele para ouvi-lo. Era um sábio. De tudo entendia e a todos ajudava.”

Atualmente, os tradicionais Saraus Açorianos na residência da Família Borges, assim como outros eventos culturais, costumam ser acompanhados com vinho, especialmente o português.

Hoje, o público que brinda nas adegas de Bom Jesus é diverso, e cada vez mais jovem. São profissionais de maior escolaridade, de renda acima de cinco salários mínimos, curiosos e entusiasmados, que buscam conhecer o vinho para além do paladar, mergulhando em sua história e simbolismo.

E se o português continua sendo o maior consumidor per capita do mundo, talvez seja porque aprendeu, há séculos, que o vinho é mais que uma tradição, é uma forma de estar no mundo.

Em Bom Jesus, essa lição prospera em cada taça servida.

Entre vinhos e memórias, a cidade descobre que também amadurece, como o vinho, com o tempo.










 



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