sábado, 18 de outubro de 2025

OS LANÇADORES DE PUAIA


 

Gino Martins Borges Bastos 

O amigo Alcyr Carvalho dos Reis, esse farol de ironia generosa e humor lapidado, amante confesso das boas conversas e das puaias bem lançadas. teve a fineza de sugerir-me o presente tema. Disse-me ele, com a costumeira elegância, que eu seria “o maior craque mundial na arte da puaia oficial, aquela que o agraciado sabe que é puaia, mas recebe como honraria e briga se alguém disser que é puaia”.

Atendo-o com prazer, pois quem lança puaia, se o faz com arte, não ofende: ilumina.

Se existe o lançador de dardos, o atirador de flores e o jogador de charme, existe também o lançador de puaia, espécie rara e preciosa no bioma bonjesuense da convivência.

A puaia é o comentário envolto em seda, o elogio que traz um leve travo de espelho, a piscadela travessa que revela mais do que diz. É o troféu do espírito leve, o confete verbal dos que pensam rápido demais para se ofenderem.

O verdadeiro sinal da inteligência bonjesuense, essa que mistura humor com percepção, ternura com malícia, está na arte sutil da puaia.

O lançador de puaia é um ser raro, híbrido de poeta e estrategista. Não fala por malícia, mas por precisão. Tem o olho clínico do observador e a pena leve do humorista. Lança sua puaia como quem lança uma flor no ringue, com graça, sem jamais perder a compostura.

A puaia oficial, essa que Alcyr tão bem identifica, é a obra-prima do gênero. É aquela que o agraciado sabe, lá no fundo da alma, que é puaia, mas a recebe como honraria. E, o que é mais notável, defende-se dela como quem defende um título de nobreza: “Quem ousa dizer que isso é puaia?!”

Eis aí o triunfo da arte: transformar o alvo em cúmplice, o gracejo em glória.

Há, porém, os aprendizes de puaia, que confundem ironia com grosseria, ou zombaria com espírito. Esses não são lançadores, são arremessadores. A puaia, quando mal lançada, volta como bumerangue e acerta o autor na testa da própria pretensão.

O verdadeiro mestre da puaia conhece a medida e o ritmo. Sabe que a puaia não se improvisa: amadurece como fruta de estação. E, quando vem, vem redonda, saborosa, impossível de resistir.

Nada mais verdadeiro, e mais perigoso, do que uma puaia oficial. Ela é um artefato de precisão: o autor lança-a com a serenidade de um diplomata e o sorriso de quem oferece uma medalha. O alvo, por sua vez, orgulha-se de tê-la recebido, ajeita o colarinho e passa a exibi-la como se fosse título de mérito.

O milagre da puaia é justamente esse: transformar o espinho em flor e o gracejo em distinção.

Mas nem todos os que falam com humor são lançadores de puaia. Há os que confundem ironia com grosseria e sarcasmo com espírito. Esses são, no máximo, arremessadores de pedrinhas.

A puaia verdadeira exige talento e tato, duas virtudes que raramente moram na mesma casa.

O verdadeiro lançador de puaia não destrói reputações; adorna-as com pequenas cintilações de vaidade e riso. Ele não ri de alguém, mas com alguém, e é nesse “com” que reside a diferença entre o humor e o veneno.

Há quem diga que a puaia é prima distante da pilhéria e sobrinha elegante da troça. Mas não.

A puaia é o haicai da malícia bonjesuense, curta, precisa e sempre com uma fragrância de gentileza.

Ela não se improvisa: amadurece na observação e nasce na hora exata em que o momento pede graça. O puaísta genuíno, se me permitem o neologismo, não força a cena. Apenas percebe o detalhe, dá-lhe um leve brilho verbal, e o mundo ri.

Na república informal dos bons espíritos, os lançadores de puaia ocupam lugar de honra. São eles que salvam as conversas do tédio e as solenidades do ridículo.

Um jantar sem puaia é como uma orquestra sem violino: há som, mas falta melodia.

E quem nunca foi alvo de uma boa puaia, dessas que fazem corar e rir ao mesmo tempo, ainda não viveu o ápice da convivência civilizada.

O que define um mestre da puaia não é apenas a língua afiada, mas a intenção benevolente. O lançador verdadeiro nunca busca humilhar; busca iluminar.

E, quando bem-sucedido, deixa o outro melhor do que estava, mais espirituoso, mais consciente de si e, quem sabe, até um pouco mais vaidoso da própria graça.

A puaia é, em última análise, uma forma de amor verbal.

Porque só se lança puaia a quem se estima.

E só entende uma puaia quem tem o coração suficientemente leve para rir de si mesmo.

Ser lançador de puaia é, afinal, exercer a mais difícil das virtudes humanas: rir com os outros, e não dos outros.

E se, por acaso, alguém disser que isto é puaia, que seja, porque, no fundo, é mesmo.




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