Luciano Rezende |
Nunca se viu tantas críticas ao chamado
patrimonialismo como na atualidade. Basta recorrermos à mídia impressa para
constatarmos a escalada dos ataques contra essa tipologia da Administração Pública.
Mas o que de fato causa estranheza não é a merecida crítica em si, mas de onde
ela parte.
Justamente a oposição de direita, que
quando ocupou a Presidência da República do Brasil promoveu ou permitiu as mais
diversas práticas patrimonialistas, enfraquecendo o Estado e passando as rédeas
na condução da economia para o mercado, vem agora condenar aqueles governos
que, historicamente, mais combateram o patrimonialismo, a começar por Getúlio
Vargas.
De maneira geral, o discurso liberal de
hoje tenta simplificar o chamado patrimonialismo como se fosse meramente a
indistinção da esfera pública do âmbito privado. Querem difundir a falsa idéia
de que, principalmente nos governos Lula e Dilma, as estruturas da
administração pública ficaram a mercê dos seus mandos e desmandos, como se
fossem (ou tivessem poder para tal) verdadeiros monarcas. Nada mais absurdo.
Não por acaso, em toda a história do
Brasil, nenhum outro governo fortaleceu tanto a Administração Pública
brasileira, a partir do próprio robustecimento do Estado Nacional, como
Getúlio, Lula e Dilma. Daí é fundamental não simplificar o conceito e,
sobretudo, a história do patrimonialismo no Brasil, com o risco de torná-lo um
jargão vulgar com o intuito de se atacar este ou aquele governo.
Infelizmente essa é mais uma jogada
da oposição de direita, principalmente através do PSDB, que cada vez mais se
envereda pelas hostes golpistas em busca de argumentações teóricas capazes de
justificar o injustificável. No desespero para voltarem ao poder, agem totalmente
fora da racionalidade política (se é que ela existe em um sistema eleitoral
bancado por gigantescos patrocinadores privados).
Beira o ridículo a tentativa de acusarem
Lula de patrimonialista por simplesmente promover empresas nacionais no mercado
internacional. Patrimonialismo seria se a estrutura administrativa estivesse
sob seu domínio pessoal (o que não ocorreu nem mesmo no auge de sua
popularidade) e o recrutamento de servidores, ou a seleção de empresas, se
desse fora dos devidos processos licitatórios, sendo efetivados por meio de
relações de confiança ou subserviência a um senhor supremo.
José Serra, por exemplo, em mais um de
seus acessos de cólera, chegou a escrever “que o PT promoveu o casamento
perverso do patrimonialismo “aggiornado”, traduzido pela elite sindical, com o
patrimonialismo tradicional, de velha extração”.
O patrimonialismo “aggiornado” sindical
deveria ter sido melhor fundamentando por ele. Já o patrimonialismo tradicional
foi devidamente estudado por Max Weber e suas características mais marcantes em
nosso país tratadas, sobretudo, por Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Oliveira
Vianna, Florestan Fernandes, entre outros.
Se em um passado recente práticas como o
tão propalado inchaço da máquina pública se dava por meio de indicações, o
robustecimento do Estado Nacional de hoje se dá por um sólido sistema de
concursos públicos que a cada ano se consolida mais, fiscalizado e auditado por
diversos órgãos criados pela nossa recente burocracia que, diga-se de passagem,
só foi inaugurada com Getúlio.
A autonomia que antes era dada a
bel-prazer aos donatários de capitanias ou governadores gerais pelos monarcas, em
tempos recentes, nos governos tucanos, ou seja, no neo-patrimonialismo de
mercado, é dado aos agentes financeiros, rentistas e outros representantes do
grande capital. Por isso mesmo defenestram tudo que soa regulamentação ou
regulação. Nada é mais patrimonialista na atualidade do que o espírito do “laissez-faire”.
De igual modo, nada mais natural que,
na ofensiva da acusação patrimonialista, a direita neoliberal eleja a
burocracia como outro alvo de sua ira. Não estão preocupados em combater as
suas disfunções, mas na burocracia tipicamente weberiana que, sobretudo após
Getúlio, permitiu, pela primeira vez em nosso país, segundo Motta (2000), “a
vitória da impessoalidade sobre a pessoalidade, ou da razão sobre a tradição”.
Mas foi justamente com Lula e Dilma que
a Administração Pública se modernizou e permitiu avançarmos enormemente no
enfrentamento dos resquícios das práticas patrimonialistas e, sobretudo, do
neo-patrimonialismo de mercado. O mercado que antes atuava livre, leve e solto
como verdadeiro monarca, favorecendo quem lhe aprouvesse, de acordo com seus
interesses, passou a ser mais limitado, através de ações que vão desde o
fortalecimento do SUS, o Luz para Todos, o Bolsa Família e outras dezenas de
programas que elevaram o nível de vida do povo e promoveram o emprego, até
mesmo a elevação dessa nova cultura da chamada meritocracia que, apesar de sua
desvirtuação do sentido anti-patrimonialista, é um avanço em uma sociedade
marcada pelo “homem cordial” sempre afeito ao apadrinhamento.
A histeria do discurso
anti-patrimonialista, vindo dos tucanos e propalada pela grande mídia privada,
é mais uma das tantas outras hipocrisias de quem há muito perdeu a capacidade
de formular teoricamente e pensar o Brasil. O patrimonialismo é, antes de tudo,
patrimônio legítimo dos neoliberais onde o mercado faz o papel do soberano e o
PSDB de seu capataz.
Referência
Bibliográfica:
FAORO,
Raimundo. Os donos do poder: a formação do patronato brasileiro. 3 ed. rev. São
Paulo: Globo, 2001.
HOLLANDA,
Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2005.
MOTTA,
Fernando Cláudio Prestes. O que é burocracia. 16. Ed. São Paulo: Brasiliense,
2000.
Luciano Rezende é professor do IFF (Instituto Federal Fluminense), Campus de Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
Luciano Rezende é professor do IFF (Instituto Federal Fluminense), Campus de Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
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