Luciano Rezende |
A luta pelo fortalecimento do Estado
Nacional foi e continua sendo uma das batalhas mais importantes dos movimentos
progressistas em nosso país.
A presença sólida do aparato estatal em
centenas - ou quem sabe milhares - de municípios brasileiros, onde as relações
sociais exibem traços de barbárie, constitui-se vital até mesmo para se
garantir as conquistas humanitárias básicas alcançadas nos últimos tempos.
Onde não há policiamento, prevalecem
as milícias. Onde não há hospitais públicos, dominam os charlatães. Onde não há
educação de qualidade, sobressai o misticismo. Não significa que a presença de
todos esses serviços públicos prestados à coletividade garantirá o fim desses
grupos, práticas ou fenômenos nocivos à sociedade. Mas, na ausência ou carência
deles, verificamos o recrudescimento de todos os tipos de violência.
Também a lacuna deixada pelo Estado na
economia logo é preenchida pelo mercado. Dessa forma, para os liberais de todos
os matizes, cada vez menos restrição do Estado implica cada vez mais liberdade
para o capital atuar de acordo com suas conveniências. Áreas estratégicas da
economia da nação, tais como energia, agricultura, educação, comunicação,
segurança entre outras, são ferozmente disputadas por gigantescos monopólios na
busca de lucros colossais às expensas das privações de milhões de pessoas. Basta
lembrarmos que algumas multinacionais sozinhas têm hoje lucros anuais muito
maiores que o Produto Interno Bruto de vários países somados juntos.
A defesa do Estado Nacional,
portanto, se apresenta aos trabalhadores como uma das mais importantes
bandeiras na atual quadra política. Fortalecê-lo é imprescindível para o
desenvolvimento das forças produtivas e, consequentemente, o avanço das forças
progressistas.
Entretanto, não pode haver ilusões
sobre o caráter eminentemente burguês desse Estado que, como diria Lênin, é “o
produto das contradições inconciliáveis das classes sociais”. Ainda, de acordo com
Lênin em seu “O Estado e a Revolução”, citando trechos da obra “A Origem da
Família, da Propriedade Privada, e do Estado” de Engels, “O Estado não é, de
forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. Não é, tampouco, “a
realidade da Idéia moral”, “a imagem e a realidade da Razão como pretende
Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a
confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição
interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode
desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses
econômicos contrários, não se entre devorassem e não devorassem a sociedade
numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse
aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites
da "ordem”. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima
dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado".
Ilusão (ou má fé) ainda maior é
parte da opinião pública dita especializada em política de nosso país, com o
assentimento de grande parte da própria esquerda, professar besteiras do tipo uma
suposta “venezuelização” em curso do Estado brasileiro como se na própria
Venezuela o Estado não fosse burguês até a raiz dos cabelos (basta ver as
intermináveis sabotagens em todos os níveis do âmbito público e privado). Se a
esquerda no Brasil, com muito custo e muitas concessões, logrou ocupar a
cadeira presidencial, o Poder Executivo revela-se ser um limitado, embora
importante, espaço político para se promover as políticas progressistas
reclamadas pelos trabalhadores.
Em outras palavras, o hercúleo
esforço das forças progressistas em atuar no interior de um Estado capitalista
que, segundo Lênin, é “sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe
economicamente dominante que, também graças a ele, se toma a classe
politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a
classe dominada” impõe limitações que precisam ser reconhecidas, sobretudo, aos
mais sonhadores que, frequentemente, fazem cobranças e exigências de todos os
tipos esquecendo-se, ou não compreendendo, as restrições desse espaço de poder e
de uma correlação de forças ainda extremamente desfavorável.
O poder judiciário, em toda a sua
extensão, é notadamente conservador. A grande mídia privada (que como concessão
pública conta com a subserviência e cumplicidade do Estado burguês) está
capilarizada em todo o vasto território nacional e conta com uma ampla rede
repetidora de seu conteúdo reacionário, composto por pequenos e médios canais
de comunicação que, no geral, são empresas dominadas pelas classes dominantes
locais. O Poder Legislativo, desde as milhares de Câmaras de Vereadores até o
Senado Federal, representa uma minoria do povo, composto majoritariamente pelos
representantes da burguesia. Isso sem falar do poder econômico e de outras
organizações que exercem forte influência cultural e ideológica nas massas
populares e são fortemente vinculadas ao projeto de poder capitalista
dominante.
Mas se o Estado é burguês, por que
as forças progressistas e populares participam dele então? O próprio Lênin nos
lembra que “há, no entanto, períodos excepcionais em que as classes em luta
atingem tal equilíbrio de forças, que o poder público adquire momentaneamente
certa independência em relação às mesmas e se torna uma espécie de árbitro
entre elas.” E mesmo nos dias de hoje, onde prevalece um desequilíbrio brutal
pendendo em favor dos reacionários, é imperioso contar com a presença sempre lúcida
e combativa dos representantes da classe operária, das maiorias espoliadas pela
ditadura do capital, a fim de, ao menos, tentar barrar as investidas mais
fascistas e reacionárias no plano tático, acumulando forças para o
enfrentamento estratégico, de prolongado fôlego.
Pode-se afirmar, baseado nos números
e fatos, que a participação da esquerda nos espaços do poder público, embora
muito pequeno em comparação com a abissal influência e presença dos
conservadores, já representou avanços imensos ao povo brasileiro. Desmitificar
essa falsa contradição entre o militante social e o militante que hoje ocupa
cargos em governos, é tão importante como a velha dicotomia entre trabalho
intelectual e trabalho manual.
Desse modo, a alucinação de parte da
direita mais recalcitrante que vê o espectro do socialismo possuindo o Estado
brasileiro, é mais um delírio de quem se assombra até diante da livre e aberta
organização dos partidos de esquerda da América Latina por meio do Foro de São
Paulo.
A tal da “venezuelização” do Estado
brasileiro é a tese mais ridícula de quem desconhece o mais básico e elementar
de nosso país, da nossa Administração Pública, da própria Venezuela, e muito
menos da classe social que representa. Mais que isso, manifesta um claro
devaneio difundido através dos grandes meios de comunicação, para mascarar os
avanços democráticos e, principalmente, desqualificar a minguada participação
da esquerda nas instituições do Estado, criminalizando as forças populares e
progressistas.
Luciano Rezende é professor do IFF (Instituto Federal Fluminense), Campus de Bom Jesus do Itabapoana
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