quinta-feira, 9 de março de 2017

Os 101 anos de nascimento do ex-governador Badger Silveira


Edição de 10 de março de 1963 anunciava a data natalícia do ex-governador Badger Silveira

Em comemoração ao aniversário de nascimento de Badger Silveira, que comemoraria 101 anos de vida neste dia 10 de março, reproduzimos aqui texto de sua filha Ana Maria Silveira, escrito por ocasião do centenário de seu nascimento. 


Ana Maria Silveira




Escrever sobre Badger Silveira é um grande desafio. Palavras, por melhor conteúdo que apresentem, são exíguas para retratar a alma de uma pessoa tão incomum.
Todos que tivemos o privilégio de com ele conviver podemos afirmar que a sua marca era a grandeza humana. Tinha imensa consideração por todos e uma alegria tão constante que trazia um enorme bem-estar a quem dele se aproximasse. Sua história de vida foi repleta de “altos e baixos”, bom pano de fundo para quem gosta de reclamar. Ele nunca se queixou de nada.
Nasceu em Bom Jesus do Itabapoana em 10 de Março de 1916. Filho de fazendeiros abonados, que com a crise de 1929 tudo perderam. Adolescente, acompanhou os pais que foram morar no Barreto, distrito de Niterói.
Badger conseguiu uma locação debaixo de uma escada, no colégio da D.Stefânia, em Niterói, onde poderia continuar os estudos gratuitamente; em contrapartida acordava muito cedo, varria e arrumava todas as salas de aula, os corredores e a secretaria. Dizia que entendia a situação como coisa passageira, pois tinha certeza de que continuando os estudos teria uma vida melhor. À noite, sozinho no prédio fantasmagórico, encolhia-se sob as cobertas, tentando dormir logo para que a semana passasse depressa e pudesse estar com a família no final de semana.
As coisas foram melhorando para Boanerges e Biluca. Os filhos estudaram e começaram a despontar como líderes estudantis e políticos. Badger cursou Direito. Foi presidente do Centro Acadêmico Evaristo da Veiga e quando se formou, foi nomeado Delegado. 
Dedicou-se à meteórica ascensão política de Roberto.
Agregador, destacava-se sempre nas situações de discórdia.
Quando Roberto precisava acalmar os ânimos dos indóceis correligionários, enviava o irmão Badger.
Com apenas um ano como Ministro do Tribunal de Contas do Estado foi eleito o Presidente da casa, por unanimidade. Precisavam de alguém que soubesse dialogar, que diluísse os desentendimentos.
Badger era muito querido por todos.
Com a trágica mortedo irmão caçula, o PTB ficou dividido. Cada deputado, secretário de Estado ou partidário petebista se achava o sucessor natural do Roberto. O irmão Zequinha, deputado federal, por ser o político mais próximo, chegou a ser cogitado como candidato, mas sua forte atuação era no Paraná.
A convenção para a escolha do candidato a governador foi muito tensa, até que alguém gritou:
-E por que não o Badger?
Enquanto este tentava se explicar: “-Não posso, sou inelegível!”,a gritaria e os aplausos foram tantos que ninguém o ouviu. Foi designado o futuro sucessor de Roberto por aclamação!
Essa honrada missão que abraçou foi aniquilada pelo golpe militar de 64.
Badger, como Roberto, foi um grande Governador. A política deles tinha uma ampla visão de Estado e um imenso respeito pelos bens públicos, o que hoje percebemos cada vez menos. Em apenas um ano e quatro meses de governo, Badger, que encontrou dilapidadas as finanças, aumentou a receita para 25 bilhões de Cruzeiros em 1963 e para 81 bilhões em 1964. Elevou para um patamar de dignidade o salário do funcionalismo público, dando continuidade aos projetos e obras do amado irmão. Pavimentou mais de 200 km de rodovias, ampliou significativamente o número de matrículas nas escolas, com auxílio de material didático e alimentação. Por aquela ocasião o Estado do Rio de Janeiro teve destaque na Campanha Nacional de Alfabetização, coordenada por Paulo Freire. Criou a Polícia Rodoviária e integrou o Corpo de Bombeiros à Polícia Militar. Criou a CELF- Centrais Elétricas Fluminenses com o objetivo de alavancar a indústria e demais forças produtivas do Estado, assim como iluminar as residências, hospitais e escolas em todos os Municípios.  Elaborou e deu início a projetos que incentivavam o turismo e as atividades agrícola e pecuária.
Lembro-me de um grupo de imigrantes japoneses que apareceu no Palácio do Ingá pedindo ajuda financeira para a plantação de legumes e verduras. Não tinham a documentação necessária para conseguirem empréstimos formais. Mal falavam o português. Badger dispunha de uma verba de representação como governador, para recepções, presentes de casamentos ou lá o que fosse que não usava, pelo princípio da sobriedade. Emprestou aos agricultores o que pediram -sem garantia nenhuma- certo de que devolveriam os valores aos cofres do Estado como combinado: um ano depois. 
Não foi necessário tanto tempo. Seis meses depois os simpáticos japoneses, muito agradecidos, saldaram o empréstimo e abarrotaram a despensa do palácio com caixas e mais caixas de cenouras, tomates e verduras. 
Badger se animou com a ideia e a verba de representação foi, entre outras coisas, dirigida para a criação de uma sociedade de apicultores fluminenses. Até hoje o Estado do Rio tem tradição em produtores de mel de alta qualidade.
O que poucos sabem: após o golpe militar, em 1° de abril de 1964, Badger NÃO quis ficar no poder, como muitos pensam e divulgam. Não é tão simples assim.  Quando tomou conhecimento dos fatos, Badger percebeu que não teria mais condições de ficar no governo, mas também não iria renunciar. Tinha um compromisso com seu povo, foi eleito democraticamente. Os fatos foram se descortinando e alguns golpistas, ávidos pelo seu posto, o deixavam apreensivo, por serem indivíduos de má índole, má fé, com perfis de perseguidores e revanchistas, despreparados para um cargo de tal importância. Havia toda uma população a proteger e a respeitar e Badger se sentia responsável por ela. 
Nesses 30 dias pós golpe, foi perseguido, ameaçado e quase morto por mais de uma ocasião. Recusou a oferta de exílio de umas cinco ou seis Embaixadas. Foi ganhando tempo para, por trás dos bastidores, conseguir indicar como seu sucessor uma pessoa de caráter.
Por convite, foi à “posse” do “Presidente“ Castelo Branco, o que lhe valeu um enorme custo político, mas que em cuja ocasião pode solidificar o nome do General Paulo Torres, homem de bem, para sucedê-lo no governo. Seus contatos principais foram o Governador Amaral Peixoto e um dos secretários de governo, de patente militar.
Badger jamais renunciaria. Como o caso de sua sucessão estava resolvido, não tinha mais o que fazer no governo. Estudou com seus correligionários uma maneira digna de deixar o cargo. Quando achou que a Assembleia Legislativa iria pedir seu impedimento, votaram maciçamente uma moção de apoio.
Em 30 de abril, o deputado Nicanor Campanário solicitou e os deputados votaram o impeachment de Badger Silveira. Lembro-me do deputado Bocayuva Cunha narrando o evento: que todos votaram com lágrimas nos olhos, sob veementes protestos e finalizaram cantando, comovidos, o Hino Nacional.
Badger às vezes comentava que correu risco de morte, mas que o Estado do Rio de Janeiro teve o menor índice de perseguições, torturas e mortes no período cruento da ditadura.
Badger foi um filho, neto, irmão, esposo, pai, tio, cunhado, avô, sogro, patrão e amigo maravilhoso. Destemido e desprendido das coisas materiais. Adorava ler, brincar com todos, pescar, dançar, cozinhar, passear e dar conselhos. 
Poucos anos mais tarde, enquanto caminhávamos pelo Centro, em Niterói, meu pai foi abordado por um senhor militar que se apresentou e nos disse:
- Governador, sinto o maior orgulho em cumprimentá-lo. Participei da comissão que investigou toda a sua vida, política e pessoal. Não encontramos, absolutamente, nada que o desabonasse. É um verdadeiro homem de bem! Se a nossa “Revolução” tiver meia dúzia de elementos como o Sr, será vitoriosa.
Badger, Renée e eu ficamos comovidos, gratificados.
Em 09 de Maio de 1999, Badger nos deixou. Uma coisa nos impressionou muito, considerando-se que estava afastado da política há muitos anos: amigos vieram de toda parte. Quase todos os municípios do Estado estavam representados oficiosamente, por pessoas que nutriam por ele afeto e admiração. E todos choravam; um pranto sentido, que só derramamos por verdadeiros amigos.
Combinamos que ele apenas tinha colocado seu boné e saído, feliz como um pardal, voando para a próxima pescaria.



Vargem Grande Paulista, 07 de Março de 2016.


Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira


Badger Silveira, Renée Ferraiolo Silveira e os filhos José Roberto, Ana Maria, Maria Luiza e José Luis (gêmeos), Maria Cristina, Badger, José Fernando e Maria Tereza. Foto de 1962 (Acervo de Ana Maria Silveira)


BADGER SILVEIRA VIVE!

2 comentários:

  1. Saudações musicais.
    https://soundcloud.com/ademirdesouza/escritores-poetas-poetizas-autor-intr-isrc-br-d7d-13-00004-ademir-de-souza

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  2. Cara Ana Maria
    Gostei muito da homenagem ao seu pai. Como já lhe disse em outra ocasião acho que você deveria continuar escrevendo e publicar um livro
    Abraços

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