Por Luciano Rezende*
No Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia em que trabalho está faltando cartucho de tinta para
carregar os pincéis (utilizados para se escrever nos quadros, em substituição
ao antigo giz). Portanto, se eu (enquanto professor) saísse por aí gritando que
falta até tinta nos pincéis para se dar aula, não estaria mentindo. Para
conseguir mais aplausos, atrair mais holofotes e ser mais sensacionalista,
poderia dizer que falta até giz nas salas de aula (o que também não é mentira,
devido a suspensão de seu uso).
Mas
como toda grande mentira se baseia numa meia verdade, estaria ocultando um
importante, digamos, detalhe. Ou seja, os responsáveis pela falta destes
cartuchos de tinta somos nós mesmos, professores - que não apresentamos
devidamente a demanda de compra -, ou dos gestores - que não fizeram a
solicitação -, ou até mesmo do almoxarifado - que não controlou a distribuição
entre os professores. O certo mesmo é que o Governo Federal nos últimos anos jamais
deixou de prover este ou aquele campus com qualquer tipo de insumo, básico ou
não, desde que fosse devidamente solicitado.
Utilizo o exemplo
acima para comparar (e repudiar) declarações estapafúrdias de alguns profissionais
da saúde afirmando que falta até kits para o exame papanicolau nas unidades
básicas de saúde das capitais do país. Insisto em dizer: vai faltar algum
insumo se não houver gestão minimamente qualificada, independente se o hospital
estiver na capital de São Paulo ou no interior do vasto território amazonense.
E para se ter gestão, precisamos antes de tudo do que? Respondo: profissionais
qualificados.
É justamente essa
a linha de raciocínio trilhada pelo professor da Faculdade de Medicina da UFMG,
Francisco Campos, que em entrevista ao Valor Econômico do dia 04/09 refuta a
ideia de que o governo precisaria garantir a infraestrutura para o atendimento
médico antes de contratar profissionais.
Segundo o professor, “essa tese de que primeiro tem que colocar a
unidade, o estetoscópio, e só depois colocar o médico é uma tese niilista de
quem não quer resolver o problema”.
“Se o médico
estivesse em uma unidade médica sem estetoscópio, não ia poder trabalhar. Ele
tem que pedir ao prefeito, ao gestor municipal, que compre estetoscópio, que
tenha ambulância para levar as pessoas, mas ele vai organizar esse processo. O
contrário não acontece. Não adianta estetoscópio sem médico. Se eu tiver que
fazer um ‘ovo ou galinha’, o que vem primeiro, infraestrutura ou médico? Acho
que o médico puxa a infraestrutura”. E arremata: “se você colocar estetoscópio
lá e fizer uma unidade boa, o estetoscópio não pede médicos. Se você colocar um
médico, o médico pede estetoscópio. Em uma unidade de saúde, muito mais
importante que pedra, tijolo, estetoscópio, é o trabalho médico”. Concordo
integralmente com essa visão do professor Francisco Campos.
Levantamento
feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado no Valor Econômico do
dia 21/08, mostra que no ano passado, apenas 27% da verba destinada pelo
governo federal à área de saúde foram utilizados. Em saneamento, o percentual é
ainda menor, de 9%. Na educação, foram aplicados 45% do previsto. Os dados
foram apresentados pelo presidente do órgão, Augusto Nardes, durante seminário
em Brasília. Em outras palavras, há uma clara e absurda ineficiência em gestão
hospitalar (sem falar nas fraudes) que não é devidamente debatida pelos
Conselhos de medicina e outras organizações afins.
Muito mais fácil
transferir toda a responsabilidade para o Governo Federal - que obviamente
também tem sua parcela de responsabilidade. Entretanto, é necessário reconhecer
o crescente investimento que vem sendo direcionado ao Ministério da Saúde que,
mais uma vez receberá o maior orçamento entre todas as pastas e terá também o
maior aumento (mais R$ 3,97 bilhões) por parte do Governo Federal.
Dessa forma, é
bom que se diga que as críticas ao programa Mais Médico são salutares e devem
ser respeitada em qualquer Estado democrático. O que é inconcebível e intolerável
são as declarações desqualificadas de certos profissionais da saúde, muitos dos
quais ocupam cargos de notoriedade, tentando criar uma falsa contradição entre
estrutura e mão de obra. Isso sem falar das manifestações racistas e xenófobas
que são, antes de tudo, caso de polícia.
O principal entrave
da saúde no Brasil é notório a todos, apesar de poucos governos terem a
determinação para denunciar e enfrentar: a mercantilização levada a cabo por
máfias dos planos de saúde privada, multinacionais da indústria farmacêutica e
afins. A iniciativa privada que, deveria ter papel complementar ao sistema
público de saúde, disputa a hegemonia e boicota com todas as forças o SUS.
Esse
enfrentamento está apenas começando. Vamos precisar de muita força (e saúde)
para superar essa enfermidade mercantilista que contamina vários incautos com
um discurso elitista e reacionário. O Mais Médico é o primeiro tratamento de
choque nesse sentido.
*Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e Doutor em Fitotecnia. Professor do Instituto Federal Fluminense
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