JOSÉ GOMES BEZERRA CÂMARA
BIOGRAFIA
“Na minha função de juiz, tinha medo de três
coisas: de filho, genro e mulher bonita, porque não há ninguém que resista”.
Designado
por Professor Arno Wehling, Presidente deste Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro (IHGB), para dissertar sobre o centenário de nascimento do
desembargador JOSÉ GOMES BEZERRA CÂMARA,
que integrou este Instituto, sinto-me prestigiado em
proferir algumas breves palavras sobre o nobre magistrado que tanto honrou esta
nobre Instituição, e o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, de quem
todos que usufruíram de sua companhia guardam boas recordações.
Muitas vezes tive a incumbência de prestar homenagem a pessoas de
grande relevância no cenário do judiciário fluminense. Entretanto, a satisfação
pessoal com que venho, nesta ocasião, homenagear BEZERRA CÂMARA é singular.
Primeiramente, em virtude do laço de amizade que nos uniu e, outrossim, pelos inúmeros
méritos que o homenageado ostenta.
JOSÉ GOMES BEZERRA CÂMARA
nasceu em 02 de fevereiro de 1915, em Caiçara, município de Afogados de
Ingazeira, Pernambuco. Filho de VICTOR GOMES DOS SANTOS e DOMITILLA GOMES
ARRUDA CÂMARA.
Consorciou-se
com MARIA D’ASSUNÇÃO, sua prima-irmã, também neta de judeus, que lhe ofereceu
dois filhos: Eduardo e Donatila, o primeiro formou-se em Engenharia Naval e a
segunda em Direito.
Perdeu
sua genitora aos três anos de idade, passando a ser criado pela avó materna
THEREZA BRAYNER, judia austríaca. Acredita-se que esta tenha imigrado, em 1867,
da Europa para o Brasil, com destino ao Recife, PE, temerosa da guerra que
assolava o Velho Continente à época. Naquela circunstância, a austríaca
entendeu por bem adotar o nome de HONORATA ARCELINA DE JESUS, cujo propósito,
cremos, não foi outro senão omitir a sua origem judaica.
Por
um breve período, a família fixou residência em Sapucaia, distrito de Bezerros
– no agreste pernambucano, transferindo-se em 1923 para Monteiro-PB.
Necessário
ressaltar que, provavelmente, após sua permanência na primeira cidade, THEREZA
BRAYNER tenha resignado ao judaísmo para acolher a doutrina cristã. Ocorre que,
devido à grande seca que afligiu o Nordeste nos primeiros anos da década de
1930, BEZERRA CÂMARA, ainda
rapazinho, viu-se compelido a deixar a terra natal e migrar para Rio de Janeiro,
quando recebeu ajuda do então deputado ALFREDO DE ARRUDA CÂMARA, a ele ligado
por laços de parentesco.
Segundo
consta e revelado pelo próprio biografado, até os 12 anos de idade não possuía
conhecimento da língua portuguesa, conquanto recebesse os ensinamentos da
língua alemã ministrados por sua progenitora. Enfatiza que até assentar praça,
só havia incorporado, assim mesmo incompleto, o curso primário. Contudo, não se
afeiçoando à vida de quartel, passou a ser ordenança no Ministério da Guerra,
onde fez o curso de admissão, o ginasial e de datilografia, no Instituto
Superior de Preparatórios.
Residiu,
inicialmente, no Méier, em pleno regime ditatorial de Vargas e tinha por missão,
duas vezes por semana, se deslocar à Copacabana conduzindo alguns documentos
que lhe eram confiados. Serviu, igualmente, no Batalhão de Guardas. Transferiu
a residência para o bairro do Flamengo e, posteriormente, para Laranjeiras, na
Rua General Glicério e, por último, em Ipanema, na Rua Visconde de Pirajá.
Com
o propósito de alcançar objetivos cada vez mais altos, ingressou no Instituto
de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC) como datilógrafo, em 26 de
fevereiro de 1938. A partir de 29 de dezembro de 1941, passou a escriturário
e, em 1946, a oficial administrativo. Em março de 1945 foi promovido a membro
da Comissão Diretora de Concursos e, no ano seguinte, a Chefe de Seção,
chegando, em 19 de março de 1947, finalmente, a Chefe de Divisão.
BEZERRA CÂMARA
desde jovem mostrou-se um profundo pesquisador do direito pátrio e, em auxílio
ao seu estudo, deu continuidade ao aperfeiçoamento da língua alemã,
mostrando-se um germanófilo de escol.
Entre
seus professores universitários, considerava Francisco Santiago Dantas o mais
culto, desenvolto e portador de extraordinária didática. Suas aulas eram tão
prazerosas, que o tempo passava sem se perceber. Afirmava, Bezerra Câmara, que
a política foi o grande pecado cometido pelo ilustre professor, pois se
houvesse mergulhado com mais profundeza no mundo jurídico, nos teria ofertado trabalhos
extraordinários.
Em
entrevista dada a um repórter da Tribuna
do Advogado, em julho de 1988, BEZERRA CÂMARA foi indagado se muitos
processos adormeciam nas gavetas de seu escritório, como ocorria com alguns de
seus colegas, e ele respondeu: “Nos meus 31 anos de judicatura quem dormia
comigo mais de duas noites era minha mulher, nunca o processo”, deixando o
profissional da imprensa um tanto desconfortável.
No
que tange à advocacia, cabe dizer que o nosso biografado militou na novel
profissão de 1946 a 1953. Mas não se afeiçoou ao nobre trabalho pois não sabia cobrar.
Neste período, acumulou as tarefas com o cargo que exercia no Instituto dos Comerciários.
De
forma hilariante, BEZERRA CÂMARA proclamava
ser, na verdade, somente “senhor de pequenas causas”, pois necessitava
manter-se nesta atividade também para não perder a prática forense.
Dizia
BEZERRA CÂMARA, com orgulho, que a
primeira petição que postulou no Judiciário mereceu o despacho do íntegro
magistrado VICENTE FARIA COELHO, que se tornou seu fiel amigo e chegou a
desembargador.
Era
um abnegado, estudava e se atualizava não só no Direito, mas na parte que lhe
interessava das ciências auxiliares, que ajudam na função judicial e mesmo na
advocacia, como a História.
Objetivando
sempre passos mais amplos, em 1954, fez concurso para o Poder Judiciário do
Distrito Federal, o mesmo em que também foi candidato Antônio Neder, que à
época já era juiz no antigo Estado do Rio de Janeiro e um dos signatários do
Manifesto dos Mineiros. Neder, juntamente com Marechal Odílyo Denys, Augusto
Hamann Rademaker, Prado Kelly, José de Magalhães Pinto, General Olímpio Mourão
Filho, colaborou com a Revolução de 1964. Vinte dias após, Neder foi promovido
a desembargador da Corte do antigo do Estado do Rio de Janeiro. Poucos meses
depois, passou a compor o Superior Tribunal de Recursos, na vaga deixada pelo Ministro
Milton Campos. Integrou Tribunal Superior Eleitoral nos biênios de 1969/1971 e
1971/1973. Em 16 de abril de 1971, Neder
foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal, na vaga decorrente da
aposentadoria do Ministro Adaucto Lucio Cardoso, tendo sido eleito para a
presidência em sessão de 13 de dezembro de 1978. Ironia do destino, assim é a vida com a qual
haveremos de nos conformar.
BEZERRA CÂMARA era
jurista criterioso e suas decisões revelavam o equilíbrio que a balança da
justiça tem por finalidade. Funcionou, em plena jurisdição, em varas cíveis, de
fazenda pública, criminais, de família e de acidentes do trabalho.
Tudo
que escreveu o ilustre biografado nos trouxe grande valor jurídico-histórico,
legando-nos páginas preciosas com importantes informações em linguagem firme e escorreita, impondo-se como
obrigatórias aos estudiosos além de seu tempo.
Sua
aparência singela era, na verdade, a de um caipira nordestino, daí, sem razão,
haver Pedro Calmon o definido como um “falso caipira e nada mais”. Homem
simples, despido de vaidades e de temperamento aparentemente calmo. Contudo,
irrequieto com os problemas que o afligiam, para os quais procurava,
incessantemente, solução justa. A tudo ele envolvia espargindo sempre todo o resultado
do seu trabalho.
Amigo
de seus amigos, devotava-lhes lhaneza no trato e pureza na amizade. Entre eles
destacavam-se Raphael Cirigliano Filho, Cláudio Vianna de Lima, Oscar Accioly
Tenório, Vicente Faria Coelho, Wellington Moreira Pimentel, Aluísio Maria
Teixeira e Luiz Fernando Whitaker Tavares da Cunha. Cabe afirmar que:
“Tudo
nele, efetivamente, inspirava respeito e simpatia. Aos grandes e aos pequenos.
Como os adultos as crianças nele viam alguém digno de uma consideração muito
especial.” (COUTO, 2005, p. 20)
Por
haver se revelado estudioso da história do Judiciário Pátrio, recebeu,
merecidamente, o honroso convite para sócio do IHGB, a mais antiga instituição
cultural do país, posto que fundada em 1838, onde ingressou em 15 de dezembro
de 1975, no quadro de honorários. Três anos mais tarde, em 13 de dezembro de
1978, foi conduzido à condição de sócio efetivo e, em 18 de dezembro de 1996, a
sócio emérito.
Homem de pensamento,
nossos processos guardam numerosas decisões de sua autoria, repletas de ideias sensatas
e de amor à terra que lhe coube por adoção - o Rio de Janeiro. Tudo o que
deixou constitui preciosa herança de conhecimento às gerações futuras.
BEZERRA CÂMARA e a admiração
por RUI BARBOSA
Estudioso
pertinaz das obras de RUI BARBOSA, passou o nosso biografado, a pedido da
Instituição que leva o nome do ilustre baiano (CASA DE RUI BARBOSA) a trabalhar como colaborador, oportunidade que
se lhe apresentou para prefaciar, revisar e criticar as obras do grande
jurista. Cabe esclarecer que, nessa tarefa hercúlea, prefaciou 29 obras e revisou
muitas outras. Parte deste trabalho, oferecemos ao acervo deste INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO.
Seus
primeiros ensaios históricos marcam “SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DO DIREITO
PÁTRIO”, dividida em seis períodos abrangendo os anos de 1500 a 1930, que,
segundo BENEDITO BARROS, à época jornalista do Correio da Manhã, nos traz uma
“verdadeira sociologia jurídica a que poucos países possuem em tão elevado
grau.” Legou-nos, também, muitos escritos em assuntos diversificados.
Certa
feita, já aposentado, revelou-me que seu grande desejo era findar seus dias em
Caiçara, terra que lhe serviu de berço e onde era proprietário de uma boa gleba
de terras, a fim de retornar à criação de ovinos e caprinos, como em sua
juventude. Todavia, não chegou a atingir seu objetivo, pois a morte o
surpreendeu, em 30 de março de 2001, antes de realizá-lo. Então, quatro anos
depois, seus familiares procuraram satisfazer a vontade de Bezerra Câmara,
providenciando a remoção de seus restos mortais para sua terra natal, aonde
repousa em paz.
Faço
minhas as palavras de Delton de Mattos (2005, p. 78) ao se referir à morte do
Padre Mello, para ilustrar meus sentimentos pelo biografado:
“Foi
uma nuvem que obscureceu o sol da esperança que sorria no meu e nos mais ânimos
deste povo”
Ao
concluir, faz-se necessário proclamar que a singeleza, a simplicidade e a
modéstia deste ilustre homenageado, um astro de primeira grandeza que, desde
então, vem iluminando os nossos horizontes.
Assim,
caro amigo BEZERRA CÂMARA -
deixo-lhe meu adeus, pois, além de colega, era um leal amigo.
Colaboraram
neste trabalho as assessoras Maria Nilza Borba e Lucia de Fátima Lédo de Brito,
às quais apresentamos nossos agradecimentos.
Rio
de Janeiro, 18 de novembro de 2015
Desembargador Antonio Izaías da Costa
Abreu
Referências:
Arquivos do Museu da
Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
CÂMARA, J.G.B. Subsídios para a História do Direito Pátrio.
Rio de Janeiro: Brasiliana, 1966.
Ficha de sua filiação
junto ao IHGB
Ficha funcional do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Livros de Atas dos
Tribunais do Antigo Distrito Federal, do Estado da Guanabara e do Estado do Rio
de Janeiro.
MATTOS, Delton (Ed) Padre Mello - prova e versos: Um gênio
da civilização e da cultura. Rio de Janeiro, Textus, 2005.
OBRAS Completas de
Rui Barbosa. OCRBdigital. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htm. Acesso em setembro
de 2015.
TRIBUNA do Advogado.
Rio de Janeiro: OAB, jul. e ago. de 1988.
Informes de familiares:
Donatila B. Câmara
Sílvia Santa Cruz
Cesar
Bom dia sou Silvia Santa Cruz Cesar vi meu nome acima como portadora de informacoes. Senhor embaixador por getileza entre em contato comigo.
ResponderExcluirMeu email: Kissmeangel@t-online.de
ExcluirBoa noite,
ResponderExcluirTive o privilégio de ser secretária deste Ilustre Desembargador, quando o mesmo já era aposentado. Homem de coração nobre. Não há palavras para descrever quem foi o Desembargador Bezerra Câmara, a quem tenho profunda gratidão pelo auxilio prestado a mim durante minha jornada como estudante de direito, tanto ele quanto sua esposa, Sra. Maria da Assunção. Mulher forte, amável e doce. Tenho profundo respeito e carinho por esta família, cujo patriarca foi um homem inesquecível!