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Escrever sobre Badger Silveira é um grande desafio.
Palavras, por melhor conteúdo que apresentem, são exíguas para retratar a alma
de uma pessoa tão incomum.
Todos que tivemos
o privilégio de com ele conviver podemos afirmar que a sua marca era a grandeza
humana. Tinha imensa consideração por todos e uma alegria tão constante que
trazia um enorme bem-estar a quem dele se aproximasse. Sua história de vida foi
repleta de “altos e baixos”, bom pano de fundo para quem gosta de reclamar. Ele
nunca se queixou de nada.
Nasceu em Bom Jesus do Itabapoana em 10 de Março de
1916. Filho de fazendeiros abonados, que com a crise de 1929 tudo perderam.
Adolescente, acompanhou os pais que foram morar no Barreto, distrito de
Niterói.
Badger conseguiu uma locação debaixo de uma escada,
no colégio da D.Stefânia, em Niterói, onde poderia continuar os estudos
gratuitamente; em contrapartida acordava muito cedo, varria e arrumava todas as
salas de aula, os corredores e a secretaria. Dizia que entendia a situação como
coisa passageira, pois tinha certeza de que continuando os estudos teria uma
vida melhor. À noite, sozinho no prédio fantasmagórico, encolhia-se sob as
cobertas, tentando dormir logo para que a semana passasse depressa e pudesse
estar com a família no final de semana.
As coisas foram melhorando para Boanerges e Biluca. Os
filhos estudaram e começaram a despontar como líderes estudantis e políticos.
Badger cursou Direito. Foi presidente do Centro Acadêmico Evaristo da Veiga e
quando se formou, foi nomeado Delegado.
Dedicou-se à meteórica ascensão política de Roberto.
Agregador,
destacava-se sempre nas situações de discórdia.
Quando
Roberto precisava acalmar os ânimos dos indóceis correligionários, enviava o
irmão Badger.
Com apenas um ano como Ministro do Tribunal de
Contas do Estado foi eleito o Presidente da casa, por unanimidade. Precisavam
de alguém que soubesse dialogar, que diluísse os desentendimentos.
Badger era muito querido por todos.
Com a trágica
mortedo irmão caçula, o PTB ficou dividido. Cada deputado, secretário de Estado
ou partidário petebista se achava o sucessor natural do Roberto. O irmão
Zequinha, deputado federal, por ser o político mais próximo, chegou a ser cogitado
como candidato, mas sua forte atuação era no Paraná.
A convenção
para a escolha do candidato a governador foi muito tensa, até que alguém
gritou:
-E por que não
o Badger?
Enquanto este tentava se explicar: “-Não posso, sou inelegível!”,a gritaria e
os aplausos foram tantos que ninguém o ouviu. Foi designado o futuro sucessor
de Roberto por aclamação!
Essa honrada missão que abraçou foi aniquilada pelo
golpe militar de 64.
Badger, como Roberto, foi um grande Governador. A
política deles tinha uma ampla visão de Estado e um imenso respeito pelos bens
públicos, o que hoje percebemos cada vez menos. Em apenas um ano e quatro meses
de governo, Badger, que encontrou dilapidadas as finanças, aumentou a receita
para 25 bilhões de Cruzeiros em 1963 e para 81 bilhões em 1964. Elevou para um
patamar de dignidade o salário do funcionalismo público, dando continuidade aos
projetos e obras do amado irmão. Pavimentou mais de 200 km de rodovias, ampliou
significativamente o número de matrículas nas escolas, com auxílio de material
didático e alimentação. Por aquela ocasião o Estado do Rio de Janeiro teve
destaque na Campanha Nacional de Alfabetização, coordenada por Paulo Freire.
Criou a Polícia Rodoviária e integrou o Corpo de Bombeiros à Polícia Militar. Criou
a CELF- Centrais Elétricas Fluminenses com o objetivo de alavancar a indústria e
demais forças produtivas do Estado, assim como iluminar as residências,
hospitais e escolas em todos os Municípios.
Elaborou e deu início a projetos que incentivavam o turismo e as
atividades agrícola e pecuária.
Lembro-me de um grupo de imigrantes japoneses que
apareceu no Palácio do Ingá pedindo ajuda financeira para a plantação de legumes
e verduras. Não tinham a documentação necessária para conseguirem empréstimos
formais. Mal falavam o português. Badger dispunha de uma verba de representação
como governador, para recepções, presentes de casamentos ou lá o que fosse que
não usava, pelo princípio da sobriedade. Emprestou aos agricultores o que
pediram -sem garantia nenhuma- certo de que devolveriam os valores aos cofres do
Estado como combinado: um ano depois.
Não foi necessário tanto tempo. Seis meses depois os
simpáticos japoneses, muito agradecidos, saldaram o empréstimo e abarrotaram a despensa
do palácio com caixas e mais caixas de cenouras, tomates e verduras.
Badger se animou com a ideia e a verba de
representação foi, entre outras coisas, dirigida para a criação de uma
sociedade de apicultores fluminenses. Até hoje o Estado do Rio tem tradição em
produtores de mel de alta qualidade.
O que poucos sabem: após o golpe militar, em 1° de abril de 1964, Badger NÃO quis ficar no poder, como muitos pensam e divulgam.
Não é tão simples assim. Quando tomou
conhecimento dos fatos, Badger percebeu que não teria mais condições de ficar no
governo, mas também não iria renunciar. Tinha um compromisso com seu povo, foi
eleito democraticamente. Os fatos foram se descortinando e alguns golpistas,
ávidos pelo seu posto, o deixavam apreensivo, por serem indivíduos de má
índole, má fé, com perfis de perseguidores e revanchistas, despreparados para
um cargo de tal importância. Havia toda uma população a proteger e a respeitar e
Badger se sentia responsável por ela.
Nesses 30
dias pós golpe, foi perseguido, ameaçado e quase morto por mais de uma ocasião.
Recusou a oferta de exílio de umas cinco ou seis Embaixadas. Foi ganhando tempo
para, por trás dos bastidores, conseguir indicar como seu sucessor uma pessoa
de caráter.
Por convite, foi à “posse” do “Presidente“ Castelo
Branco, o que lhe valeu um enorme custo político, mas que em cuja ocasião pode
solidificar o nome do General Paulo Torres, homem de bem, para sucedê-lo no
governo. Seus contatos principais foram o Governador Amaral Peixoto e um dos
secretários de governo, de patente militar.
Badger jamais renunciaria. Como o caso de sua
sucessão estava resolvido, não tinha mais o que fazer no governo. Estudou com
seus correligionários uma maneira digna de deixar o cargo. Quando achou que a
Assembleia Legislativa iria pedir seu impedimento, votaram maciçamente uma moção
de apoio.
Em 30 de abril, o deputado Nicanor Campanário solicitou e os deputados votaram o
impeachment de Badger Silveira. Lembro-me do deputado Bocayuva Cunha narrando o evento:
que todos votaram com lágrimas nos olhos, sob veementes protestos e finalizaram cantando, comovidos,
o Hino Nacional.
Badger às vezes comentava que correu risco de morte,
mas que o Estado do Rio de Janeiro teve o menor índice de perseguições,
torturas e mortes no período cruento da ditadura.
Badger foi um filho, neto, irmão, esposo, pai, tio,
cunhado, avô, sogro, patrão e amigo maravilhoso.
Destemido e desprendido das coisas materiais. Adorava ler, brincar com todos,
pescar, dançar, cozinhar, passear e dar conselhos.
Poucos anos
mais tarde, enquanto caminhávamos pelo Centro, em Niterói, meu pai foi abordado
por um senhor militar que se apresentou e nos disse:
-
Governador, sinto o maior orgulho em cumprimentá-lo. Participei da comissão que
investigou toda a sua vida, política e pessoal. Não encontramos, absolutamente,
nada que o desabonasse. É um verdadeiro homem de bem! Se a nossa “Revolução”
tiver meia dúzia de elementos como o Sr, será vitoriosa.
Badger, Renée e eu ficamos comovidos, gratificados.
Em 09 de Maio de 1999, Badger nos deixou. Uma coisa
nos impressionou muito, considerando-se que estava afastado da política há muitos
anos: amigos vieram de toda parte. Quase todos os municípios do Estado estavam
representados oficiosamente, por pessoas que nutriam por ele afeto e admiração.
E todos choravam; um pranto sentido, que só derramamos por verdadeiros amigos.
Combinamos
que ele apenas tinha colocado seu boné e saído, feliz como um pardal, voando
para a próxima pescaria.
Vargem Grande Paulista, 07 de Março de
2016.
Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira
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