O JORNAL O NORTE FLUMINENSE PUBLICA CARTA INÉDITA DO USINEIRO JORGE PEREIRA PINTO
O usineiro Jorge Pereira Pinto |
O JONF ( JORNAL O NORTE FLUMINENSE) tem o privilégio de publicar, com exclusividade, carta escrita pelo usineiro Jorge Pereira Pinto, proprietário das antigas Usinas Santa Maria e Santa Isabel, e uma das maiores personalidades de nossa região. A missivas foi entregue ao jornal por seu saudoso neto, dr. Antônio Carlos Pereira Pinto Jr.
A carta, datada de 5 de janeiro de 1978, ora postada, foi endereçada ao próprio neto, por ocasião de sua formatura em Medicina. Foi publicada no jornal O Norte Fluminense e, agora, é postada no blog.
O JONF (JORNAL O NORTE FLUMINENSE) PUBLICA CARTA INÉDITA DO USINEIRO JORGE PEREIRA PINTO
O saudoso médico dr. Antônio Carlos Pereira Pinto Junior sempre se emocionava ao ler uma carta de seu avô, o usineiro Jorge Pereira Pinto, enviada por ocasião de sua formatura |
Jorge
Pereira Pinto
CAMPOS
05/01/78
JUNIOR
- CARÍSSIMO NETO
Recebi o convite para o ato de sua
formatura em Dr. de medicina. É o ato solene por você encerrar uma bela marcha.
Marcha que foi penosa para sua mocidade, forçando-o a renunciar a muita
alegria, a muito prazer vão e enganador, a muita festa, a muito passeio e à
preguiça gostosa que envolve mansamente o moço com a sedução e o enleio de um
abraço de mulher. Marcha que impôs seriedade e disciplina aos seus estudos,
regime intenso de livros e de trabalhos, coisa não muito comum numa geração
sabidamente engajada em embalos, tóxicos, bebidas, desrespeitos, desregramentos
e endividamentos atrevidos e irresponsáveis.
Foi uma bela marcha, querido neto, e
saiba você que haverá apenas uma rápida parada que durará o tempo bastante para
o ligeiro e fugaz descanso em companhia dos seus pais e para o regozijo e as
festas de praxe, pelo objetivo alcançado.
Depois, quase de imediato,
acontecerá a volta implacável À realidade, e você vai sentir a dura e
surpreendente face da vida, que você ainda não conhece e que está escondida
atrás de outras faces de companheiros de viagem com quem você caminhará lado a
lado, sem que se aperceba dos seus sofrimentos e dos seus fracassos. O que você
conquistou com o seu diploma foi não só o direito de exercer uma bela e nobre
profissão, como, também, o de se incorporar à terrível e fascinante marcha da
vida, onde você terá que mostrar a pureza das suas qualidades, a beleza dos
seus sentimentos, a força do seu caráter, a continuação do exercício da sua
vontade, e o importante, muito importante, mesmo, o valor dos seus
conhecimentos e do seu mérito profissional.
Esta
é a marcha final, sem etapas e sem limites, sem hora para dormir e sem hora
para acordar, dando-se por completo aos que lhe (derem) a vida e o cuidado, (assim como) o trato de
suas doenças e de seus azares. Marcha que cessará se efetiva quando os males
físicos que o alcançarem não puderem ser batidos pela ciência ou quando a
vontade do PAI se manifestar inesperada e irrevogável.
Juntos, você encontrará o relógio
que foi do meu avô e que permaneceu sob meus cuidados, como relíquia de
família, e a tese definida por meu pai, quando se formou médico pela faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro. Estas duas expressivas memórias falam muito da
vida de dois homens que lutaram grandes lutas, e, até mesmo, dolorosas e
adversas como a de meu pai.
Conforme conta a oferta do relógio (no verso da tampa), ganhou-o, meu avô, do governo inglês, certamente por ato
de bravura que prestou à tripulação do "ARCADIAN", em 1862 (era
vitoriana). Um século e fumacinha, "seu Junior. Ele, era um bravo homem do
mar, que fez curso de oficial de marinha na escola naval da Inglaterra e que
morreu como chefe-de-divisão da Armada Brasileira. Foi um oficial de muito
mérito e de destaque e sua folha de serviço ao país era brilhante e honrosa.
Eu tinha propósito de confiar o
velho e valioso relógio ao Museu da Marinha, protegendo-o e remirando-o com
indisfarçável enlevo, e, tão sincera a
sua afeição e tão pura a sua alegria sempre que tinha oportunidade de usá-lo,
que resolvi confiá-lo à sua guarda e ao seu zelo. Tenho certeza que você se
honrará e que o receberá como uma homenagem quando você concluir o seu curso de
medicina.
Quando você achar por bem, deve
entregá-lo ao Museu da Marinha, onde ficará "ad perpetuam rei
memoriam" e para honra de quem conquistou com tanto merecimento.
Quanto à tese, entrego-a também como
homenagem. Hoje, com a evolução da medicina, sei que o seu valor é somente
sentimental. Mas vale e vale muito, porque foi sustentada por um homem de forte
e fascinante personalidade. Que deixou atrás de seus passos a marca de um
caráter firme, e que era intransigente, com tudo que dissesse respeito à ética,
à lealdade de proceder e à dignidade pessoal. Era um médico de bela
inteligência e de excelente qualidade profissional. Morreu moço e pobre mas
arrastava amigos e dedicações. Lutou sempre segurando o lado da faca; jamais se
rendeu às conveniências e jamais transigiu com seus princípios. Princípios
transferidos aos filhos por minha mãe, mulher de talentos e de virtudes e que
recebeu a nobre herança de nos criar e guiar quando do luto e da viuvez. Eramos
seis e tal e qual meu pai, minha mãe não admitia e nem perdoava deslealdade, a
insídia e a traição. Não concebia o homem incorreto e faltoso ao dever. E assim
nos criou e assim todos nós os seus filhos, nos conduzimos, para a honra e para
mérito do nome que carregávamos.
No rosto da monografia
carinhosamente encadernada pelo Waldir, pai de Maria Helena, você constatará
que a tese foi sustentada junto à Faculdade de Medicina da Bahia, embora
aprovada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro conforme está na última
página. Motivou o fato, uma atitude à época, atribiliária e humilhante imposta
pelos diretores da faculdade do Rio de Janeiro. Meu pai foi um dos líderes do
movimento de reação e um único colega foi infiel e faltou à atitude da turma,
que viajou unida para a cidade de Salvador. Sei que são todos esses fatos
distantes, mas dizem muito da forte personalidade de meu pai, e podem ser úteis
a sua formação pessoal.
Escrevi além do que desejava, mas
sempre gostei de sua conversa, sempre me sensibilizou a sua atenção, embora,
ultimamente, tenha o querido neto tomado chá de "suma".
O seu curso foi muito bonito, e vai
começar o seu estágio com valiosa vivência de ambulatório, enfermaria e centro
cirúrgico. Tudo me intui que sua carreira vai ser brilhante, pois sei que
você se empenha por conhecimentos e se manda com fome e garra nas suas tarefas.
Gosta de especialidade e sua presença humana é agradável e inspira confiança.
Você vai honrar e dignificar o jaleco verde.
Finalmente,
lembro-lhe que se muito estudou, se muito aprendeu se terminou todas as provas
sem percalços e sem perda de ano, deve tudo isso ao seu incontestável esforço,
às suas qualidades morais e ao senso de responsabilidade de que é dotado,
graças a Deus.
Mas atente bem no que o velho avô
vai dizer - a seu pai e a sua mãe, aos dois, principalmente aos dois, você deve
o curso realizado. Eles se sacrificaram, se privaram de muita coisa, até mesmo
do próprio e alegre continuado convívio, para que você tivesse boas condições
de realizar os seus estudos. Jamais esqueça isso e prove-o, sempre que
oportunidades tiver, com atos e não com palavras, com atitudes claras e
decididas e não com gestos vagos e falas reticentes.
A lealdade e fidelidade são o
galardão dos filhos aos pais, sejam eles ricos e ilustres, sejam eles pobres e
modestos. A vida está aí plena de belos edificantes exemplos.
Conheço muito bem sua formação
pessoal, mas, repito, tenha isso sempre presente nos seus sentidos e no seu
coração. Para os seus queridos pais, seria horrível, seria insuportável, se
lhes viesse a certeza de que você seria capaz de esquecê-los, de lhes faltar,
de lhes negar. Eles devem estar orgulhosos do filho Dr., do filho cirurgião e
que fez um curso liso e limpo de fora a fora. Eu os felicito.
Para você o meu abraço e a certeza
de que peço a Deus nosso Senhor para abençoá-lo e guiá-lo nos seus novos e
difíceis caminhos.
Jorge Pereira Pinto doou ao neto o relógio raro que seu avô recebeu do governo inglês, por ato de bravura, em 1862
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