871 anos da conquista de Santarém
A conquista de Santarém dá-se a 15 de Março de 1147, mas resulta de uma antiga ambição de D. Afonso Henriques e integra-se numa estratégia mais ambiciosa que conduziria à tomada de Lisboa e, assim, ao domínio das fortalezas da linha do Tejo.
Já em 1142 D. Afonso Henriques não vira triunfante o seu plano de conquista das cidades de Lisboa e Santarém, apesar do auxílio de uma frota de cruzados que passava pela costa portuguesa.
A hipótese de atingir esse grande objectivo que era a conquista de Lisboa, seria então retomada em 1147 perante uma conjuntura mais favorável ao rei de Portugal. Primeiramente o Gharb muçulmano, correspondente ao actual sul de Portugal, encontrava-se extremamente dividido nesta altura. A instabilidade imperava no Al-andalus à medida que os Almóadas iam estabelecendo o seu domínio na Hispânia face à decadência dos Almorávidas e à afirmação das taifas e autoridades locais. É também evidente a D. Afonso Henriques que a conquista de Lisboa só seria realizável com auxílio externo, e este efectivamente há-de chegar em 1147.
A queda de Edessa, nos Estados Latinos do Oriente, irá impelir os cristãos do Ocidente a uma nova cruzada, colocando uma poderosa frota de cruzados de passagem pela costa portuguesa. Desta forma, a queda de Edessa em mãos muçulmanas ditará em parte a queda de Lisboa e Santarém em mãos cristãs.
Como afirmam hoje em dia vários historiadores - entre os quais José Mattoso- parece muito plausível que D. Afonso Henriques houvesse já firmado um acordo com Bernardo de Claraval, o grande promotor e impulsionador da Segunda Cruzada, pelo qual passaria a poder contar com o auxílio de uma força de cruzados para cercar Lisboa. Garantido o tão necessário auxílio externo, era preciso ainda fazer um último preparativo para o cerco, isolar Lisboa e prevenir que os sitiados tivessem apoio do exterior. Para que assim fosse, D.Afonso teria de conquistar a vila muçulmana de Shantarin. Esta conquista teria de ser feita de forma rápida e não podia requerer um dispêndio grande de tempo, recursos e homens que tinham de ser usados posteriormente para a conquista de Lisboa. O cerco estava, pois, fora de questão: a vila teria de ser tomada por um assalto furtivo.
As hipóteses de sucesso deste assalto eram encorajadoras. Para além da vila não estar à espera de um ataque português (visto que pagava párias a D.Afonso Henriques desde de 1146 para firmar tréguas com os portugueses a norte), o grosso das forças de Santarém havia sido mandado para Sevilha para apoiarem os Almôadas e Muridines. Com vista a aproveitar esta oportunidade e de forma a ter a cidade tomada antes da chegada dos cruzados D.Afonso vai por em acção um plano para a conquista da vila. Primeiro, procede à enviatura de Mem Ramires, que seria provavelmente um moçárabe que já conhecia Santarém e que falaria árabe (1), com a incumbência de espiar e fazer o reconhecimento da cidade. Desse modo se obteriam informações sobre as suas defesas. Foi a inspecção minuciosa de Mem Ramires que garantiu ao rei a informação necessária para que se traçasse um plano cuidado de assalto à cidade.
Traçado o plano de conquista de Santarém, a hoste portuguesa põe-se em marcha no dia 12 de Março. As fontes não são claras quanto à composição desta hoste, contudo a “De expugnatione Scalabis” sugere que não seria composta por quaisquer mesnadas de nobres, embora alguns nobres tenham feito parte da operação (2), e era maioritariamente composta pelas milícias concelhias de Coimbra.
As “Crónicas de Portugal de 1419” ( escritas alguns séculos depois) referem-se à participação de membros da Ordem do Templo, o que parece provável tendo em conta que esta Ordem viria a receber, em Abril, os direitos eclesiásticos de Santarém. Apesar de não podermos saber com certeza o número de homens que tomaram parte nesta operação, parece-nos provável que este não ultrapassasse as escassas centenas de homens, visto que toda a operação teria de ser feita em total secretismo (3).
A hoste deixa Coimbra dia 12 e chega na manhã do dia 14 de Março a Pernes, onde monta o seu acampamento. Ao final do dia, os contingentes deixam o acampamento para iniciarem a aproximação a Santarém. Após deixarem os cavalos num local afastado da cidade - para os relinchos não alertarem as sentinelas-a maioria dos combatentes esconde-se perto dos arrabaldes da vila onde ficariam a aguardar o sinal dos companheiros. Um grupo de 120 homens, comandados por Mem Ramires, dirige-se para os muros de onde se iniciaria o assalto. Estes homens estariam, provavelmente, apenas armados com adagas, espadas e lanças, pelo que se encontrariam desprovidos de armamento defensivo que lhes pudesse atrapalhar os movimentos e dificultar a abordagem silenciosa que se pretendia (4).
Mem Ramires e os seus homens chegam ao local escolhido da cintura de muralhas a coberto da escuridão. A certa parte, porém, terão sido surpreendidos pela presença de dois sentinelas. Tiveram por isso de esperar que o cansaço se abata sobre os guardas para poderem então escalar as muralhas sem serem detectados. Quando os sentinelas sucumbiram finalmente ao sono, o grupo trepou para o topo de um edifício encostado aos muros, de onde enconstaram uma escada aos merlões da muralha usando uma lança. Apesar da escada ter caído com grande estrondo, os guardas não foram alertados para a presença dos intrusos. Por fim, e não sem trabalheiras, conseguiram fixar as escadas.
Foi apenas após Mem Ramires e outros dois combatentes terem alcançado o adarve e feito sinal aos companheiros no exterior que os guardas acordam. Por essa altura, era já tarde: depararam-se com o estandarte Ibn Errik a esvoaçar nas suas muralhas. Só então foi dado o alerta.
Perdido o efeito surpresa, a missão torna-se muito mais difícil e apenas 25 homens conseguem transpor as muralhas para se envolverem numa feroz luta corpo a corpo com a guarnição, enquanto os combatentes escondidos no exterior se precipitam sobre as muralhas. Alguns dos portugueses no interior conseguem destruir os ferrolhos das portas, ao passo que no exterior os seus companheiros destruíram as chapas que revestiam os portões com machados. A hoste portuguesa entra assim em força na vila. É neste ponto que “De expugnatione Scalabis” termina o seu relato dos acontecimentos. Já a “Crónica Geral de Espanha de 1344” e a “Crónica de Portugal de 1419” (fontes mais tardias, mas que parecem aqui dignas de confiança) vão, contudo, relatar a violência que se seguiu. A guarnição reduzida e que ainda não conseguira na totalidade acorrer ao local terá sido rapidamente derrotada, pouco podendo fazer para impedir o avanço dos cristãos em direcção à alcáçova.
A mortandade entre os civis foi grande, pois as tropas portuguesas passaram muitos pela espada sem distinguir no meio da escuridão e da confusão moçárabes nem muçulmanos. A parte da guarnição que se havia refugiado na alcáçova rendeu-se após a fuga do seu governador para Sevilha, e após os invasores terem controlado toda a resistência na vila. Ao amanhecer do dia 15 de Março de 1147 ondulava sobre a vila e o castelo de Santarém o estandarte português. Santarém era nossa.
Gonçalo Palmeira
Notas:
(1) Martins, M. G. (2017).1147 A Conquista de Lisboa: Na Rota da Segunda Cruzada. P. 135
(2) Martins, M. G. (2011).De Ourique a Aljubarrota: A Guerra na Idade Média. P.68
(3) Martins, M. G. (2011).De Ourique a Aljubarrota: A Guerra na Idade Média. P.69
(4) Martins, M. G. (2011).De Ourique a Aljubarrota: A Guerra na Idade Média. P.71
Bibliografia:
Martins, M. G. (2011).De Ourique a Aljubarrota: A Guerra na Idade Média. Lisboa: A Esfera dos Livros
Martins, M. G. (2017).1147 A Conquista de Lisboa: Na Rota da Segunda Cruzada. Lisboa: A Esfera dos Livros
Encaminhado por Antonio Soares Borges
A origem do sobrenome Machado vem do titulo concedido pelo Rei aos guerreiros que destruíram o portão.
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