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Dentre os temas históricos que foram esquecidos em nossa comunidade, está o da Cia Ferroviária Itabapoana.
Acompanhando o rio Itabapoana, existia uma via férrea de 33 km entre as localidades de Bom Jesus do Norte (hoje, município, na época distrito de São José do Calçado/ES) e Ponte de Itabapoana (distrito de Mimoso do Sul/ES), onde interligava-se com a Leopoldina.
Das poucas informações que conseguimos encontrar sobre a Itabapoana, a maior parte acha-se nos arquivos do jornal O Norte Fluminense de Bom Jesus do Itabapoana, que circula desde 1946, graças à atuação de Esio Bastos, fundador de nosso jornal. Outras informações foram conseguidas na publicação "Pino e Manilha", de 1995, editada pela Associação Brasileira da Preservação Rodoviária, de Cachoeiro de Itapemirim (ES), no Guia Levi (edição de novembro de 1938) e do suplemento da Revista Ferroviária Estradas de Ferro do Brasil, edição de 1952-1953.
O Cel. João Ferreira Soares fundou a Companhia Ferroviária Itabapoana |
A Itabapoana era uma companhia particular fundada pelo industrial e fazendeiro João Ferreira Soares no princípio deste século, sendo que os trilhos chegaram a Apiacá/ES (antiga Antonio Caetano) em 1914 e Bom Jesus em 1916, faltando capital para o prolongamento até São José do Calçado.
Manoel Mangaravite trabalhou na Usina de Força e Luz Itabapoana, de João Ferreira Soares |
Segundo Manoel Mangaravite, que trabalhou na Usina de Força e Luz Itabapoana, de João Ferreira Soares, este era proprietário também da Usina de Força e Luz Itabapoana e da Usina Santa Isabel.
Segundo Manoel, "foi João Ferreira Soares quem estabeleceu a Usina Hidrelétrica Mangaravite na década de 1930. O nome foi dado em homenagem ao meu avô Fortunato Mangaravite, que era o proprietário das terras da região. Meu avô era italiano e veio para o Brasil com a esposa Maria Gualhano. A Usina cedia energia para o Estado do Rio de Janeiro e para o Estado do Espírito Santo. João Ferreira Soares foi também proprietário da Cia. de Estrada de Ferro Itabapoana. Era, portanto, um empreendedor e visionário".
Em entrevista para o jornal O Norte Fluminense, em 2013, o empresário João Bousquet Jr informou que passou a trabalhar na Usina de Força e Luz Itabapoana em 1934, substituindo Joaquim Ferreira Ramos. "João Ferreira Soares era sobrinho de Carlos Firmo. Recordo-me que João Soares costumava dizer: 'quando quero ver um homem honesto, vou ao espelho'".
Joãozinho Bousquet trabalhou para João Soares a partir de 1934 |
A Itabapoana funcionava como um ramal da Leopoldina, sendo que os horários do trem de passageiros (misto) era sincronizado com os daquela ferrovia (veja quadro de quilometragens e horários). Devido a um empréstimo de Cr$ 2.700.000,00 lavrado pelas escrituras de 27/03/33 entre a Leopoldina Railway e a Itabapoana, esta ficou sob a administração daquela, para garantia do pagamento do mesmo (O Norte Fluminense, 31/07/49), embora continuasse como propriedade do "coronel" João Soares. Segundo esta mesma edição do Jornal, pelas escrituras de 06/09/46, o empréstimo atingia ainda o valor de Cr$ 2. 398.042,00 nesta data, quando foi reformulado.
A encampação da Leopoldina Railway pelo governo federal motivou exaltados discursos de parlamentares fluminenses e capixabas, pela inclusão da Itabapoana à rede da Leopoldina. O senador Atílio Viváqua (ES) chegou a apresentar a emenda de 25 milhões de cruzeiros ao plano SALTS (Saúde, Alimentação, Trasporte e Energia) para estudos visando a encampação da Itabapoana e seu prolongamento até Calçado, num trecho de 20km, "de cujo leito 14 km já se acham concluídos", segundo palavras do próprio senador (O Norte Fluminense, 12/06/1949).
Também era pedida a equiparação de salários entre os funcionários da Leopoldina (cerca de 14.000) e os da Itabapoana (75 famílias), segundo esta mesma edição de O Norte Fluminense, onde era lembrado que um guarda-chaves da Leopoldina recebia Cr$1.200,00, ao passo que um da Itabapoana apenas Cr$ 400,00. Por causa dos baixos salários, houve até greve de funcionários, como noticia o mesmo jornal em 23/01/49, ocasião em que o tráfego ficou paralisado entre 20 a 22 daquele mês.
Movimento de passageiros e cargas na Itabapoana em 1946 e 1950
Ano passageiros carga (ton)
1946 59.344 16.357
1950 38.422 5.525
Fonte: O Norte Fluminense, 04/05/52
Apesar de ser uma tributária da Leopoldina, a Itabapoana não foi incluída em sua encampação e, abandonada à própria sorte, entrou em declínio (vide quadro acima), acabando por suprimir o transporte de passageiros em março de 1951 e o de cargas em abril de 1952 (O Norte Fluminense, 04/05/1952).
Para o pagamento das dívidas, foi nomeado o liquidante Oscar Georg de Oliveira. Entretanto, uma pronta reação do povo (mais de mil pessoas) impediu a retirada dos trilhos, como noticia O Norte Fluminense em 05/06/1955. Amparado por uma alteração do artigo 15 das Disposições Transitórias da constituição do Espírito Santo, proposta pelo deputado Pedro Vieira Filho, o então governador Francisco Lacerda de Aguiar teve de cumprir uma promessa de campanha e comprou o espólio da Itabapoana em 21/10/55, por 5 milhões de cruzeiros (O Norte Fluminense, 06/11/55).
O acervo da Itabapoana, conforme o mesmo Jornal, em edição de de 19/07/1953, compreendia 33 km de trilhos, 4 boas estações, 3 paradas, 3 casas de turma de conserva, 3 desvios, além dos das estações, 4 locomotivas, 2 vagões de passageiros, 8 vagões de carga, 3 caixas d'água, 2 triângulos e uma bem montada oficina de reparos, sediada em Ponte do Itabapoana".
Segundo informações obtidas junto ao sr. Esio, as locomotivas eram 5, sendo que apenas 3 funcionavam. Não conseguimos fotos das mesmas, quando funcionavam e suas respectivas rodagens. A úncia coisa que sobrou, que apodrece de fronte a Usina Santa Maria, em Santo Eduardo (Campos -RJ), aparece na capa desta edição.
A Itabapoana transportava, além dos passageiros, principalmnete café (de Bom Jesus para Itabapoana) e também de um armazém e máquina beneficiadora instalada em Santa Paz, onde havia um desvio, e açúcar. Antes da Estação São Manoel, existia um desvio que, atravessando o rio sobre uma ponte de cimento (ainda existente) servia a Usina Santa Isabel (hoje desativada), situada, portanto, no estado do Rio de Janeiro. Desta usina saía açúcar para exportação, via Leopoldina (com vagão) e chegava cana de açúcar, principalmente de Santa Paz. Das 5 locomotivas, duas foram transferidas para a Estrada de Ferro Itapemirim, juntamente com um carro de passageiros e um auto de linha, onde foram sucateados juntamente com todo o material da quela ferrovia.
Estação de trem em Antonio Caetano, hoje Apiacá (ES) |
Companhia Ferroviária Itabapoana
Estação km horários
Itabapoana 01 7:17 9:30 16:55 19:51
Santa Paz 08 -
Apiacá 18 6:37 10:06 17:38 19:11
São Manoel 23 -
Iuru 25 6:15 10:26 17:59 18:51
Bom Jesus 34 5:50 11:03 18:22 18:30
Fonte: Quilometragens em "Estradas de Ferro..." e horários do Guia Levi.
OBS: Segundo o Guia Levi, passavam por Ponte de Itabapoana o Noturno N1, procedente de Barão de Mauá, às 9:08 e outro de passageiros às 8:04, vindo de Cachoeiro (trem S4). O S3, que saía de Barão do Mauá às 5:36, passava em Ponte às 16:49. O N2 procedente de Vitória, passava em Ponte às 20:23.
OLÍVIO BASTOS E A CIA FERROVIÁRIA ITABAPOANA
Olívio Bastos nasceu em Campos dos Goytacazes (RJ) aos 19 de outubro de 1889. Em 1933, veio com sua família para Bom Jesus, assumindo o cargo de Administrador da Cia. Ferroviária. Naquela época, a Estrada de Ferro, que ligava Bom Jesus do Norte ao distrito mimosense de Itabapoana, passava por grave crise econômica e financeira e o seu proprietário, João Soares, a entregou à Leopoldina Railway Ltda. para comandá-la. Esta, por sua vez, enviou Olívio Bastos para administrá-la.
Na Cia. Ferroviária Itabapoana, Olívio Bastos imprimiu uma grande administração, colocando as estações bem aparelhadas e reparando o leito da linha férrea. Além disso, repuxou locomotivas, remodelou o carro de passageiros e estabeleceu o tráfego mútuo com a Leopoldina, tendo criado a Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados.
Imprimiu administração moderna para a época com venda de passagens diretas para o Rio, Vitória e Niterói, instalando linha telegráfica em tráfego mútuo com a Leopoldina para o transporte de café de Bom Jesus para a estação destinatária. Para se ter uma ideia, já em setembro de 1933 foram transportadas 32.936 sacas de café.
Olívio Bastos assumiu também a Empresa Luz e Força ltabapoana, empreendendo ali uma radical transformação administrativa. Essa empresa, também sediada em Bom Jesus do Norte, passou a receber melhoramentos refletindo no benefício dos seus funcionários e da população, estendendo seus fios até Santo Eduardo, distrito de Campos dos Goytacazes (RJ).
Foi um dos fundadores do Centro Popular Pró Melhoramentos de Bom Jesus e fez parte da sua primeira diretoria, na qualidade de tesoureiro, sendo, depois, seu Presidente. Com extraordinário tino administrativo, promoveu ampla reforma no Hospital São Vicente de Paulo, que estava fechado, advindo daí o crescente desenvolvimento dessa grande instituição. Também o Colégio Rio Branco recebeu de Olívio Bastos os benefícios de sua visão administrativa. Assumindo a direção em momento difícil para o educandário, coube a ele introduzir grande transformação no tradicional Colégio, ampliando e construindo salas novas, laboratório, e a quadra de esportes.
Olívio Bastos foi um dos fundadores do Rotary Clube de Bom Jesus e um dos fundadores do Aero Clube de Bom Jesus em 1942, tendo presidido esta sociedade. Participou ativamente das atividades em Bom Jesus, colaborando para o progresso da terra bonjesuense e de sua gente.
Casado com a professora Vivaldina Martins Bastos, de tradicional família campista, desse enlace nasceram os seus filhos Esio Martins Bastos, jornalista, comerciante e fundador do jornal "O Norte Fluminense", Luciano Augusto Bastos, advogado, educador e diretor do Colégio Rio Branco, por vários anos, e Maria Ruth Bastos Guerra, viúva de José Sebastião de Vasconcelos Guerra, funcionário aposentado do Banco do Brasil.
Olívio Bastos faleceu nesta cidade no dia 29 de novembro de 1957, aos 68 anos de idade. A vida de Olívio Bastos é um hino de trabalho e dedicação em prol desta terra. Trazendo o conhecimento administrativo que ele recebeu dos ingleses da Leopoldina Railway, empregou em Bom Jesus todo o seu vasto cabedal administrativo, sendo mesmo um pioneiro, à época em que éramos ainda distrito de Itaperuna. Era um administrador enérgico, porém justo e humano, além de pautar seus atos com dignidade e honradez.
Sua vida de grande administrador será sempre um espelho para a juventude bonjesuense.
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