Norberto Seródio Boechat |
Em
1775, um terremoto destruiu Lisboa. Milhares morreram. Enquanto a família real
se afastava da cidade, o Marquês de Pombal, conhecido por sua capacidade de
comando e organização, foi designado para
reconstruir a capital. Mudou radicalmente o traçado medieval. Ruas
estreitas transformaram-se em largas avenidas e grandes praças –
Lisboa pombalina.
Encontrei
o Marquês na praça que tem seu nome. Tentei encará-lo, mas foi impossível. Base
e longo pedestal em pedras mantinham-no em reluzente e negra estátua numa
altura de quarenta metros. Impossível ver detalhes do rosto. Fitava o Tejo e,
por certo, já cansado da imutável paisagem. Abaixo e ao redor do monumento,
transeuntes também não conseguiam vê-lo, tão alto está. No meio da coluna, em
letras trabalhadas: O Povo, Agradecido, O
Reverencia. Mas ele, acima e soberbo não pode ser homenageado. Esculpiram-lhe
perfeita figura, mas içaram-na em demasia, imaginando, talvez, que, desse modo
o homenageavam a contento. Erraram. Ninguém o percebe. Não se pode contemplar
sua face.
Haverão
de indagar: encarar olhos de uma estátua? “Certo,
perdeste o senso!” Mas, acompanhem meu raciocínio: o que está à nossa
frente, tudo o que podemos visualizar não é passível de análise, de julgamento?
Nosso olhar não é capaz de intuir sobre
qualquer objeto? Por que não uma estátua? Elas sempre conduzem a uma impressão.
Basta que interpretemos... Vale, é claro
e muito, o que projetamos, o que inquirimos e o que o homenageado representou.
Imaginem a visão da pequenina
Nossa Senhora de Aparecida em seu altar na basílica: nos responde mesmo lá de
cima. No entanto, nos transmite muito mais quando a vemos próxima, ao cruzar a nave. Percebam a diferença de se
encarar as estátuas da Princesa Isabel e Don Pedro II na Quinta da Boa Vista:
estão rente a nós. Não parece que Carlos Drummond de Andrade nos fala, sentado
num dos bancos do calçadão de Copacabana? Reparem como estão próximos, Roberto Silveira e Dr. Seródio em nossa praça,
cada qual exibindo uma dimensão: o primeiro olhando para frente, para o futuro.
O médico, contrito, tal qual raciocinando um diagnóstico. São claras as visões.
Mas,
voltemos ao Marquês que, elevado, enfrenta o implacável vento do rio nas
madrugadas. Sem ninguém. É fantástica a solidão em pedestais. Solidão e
impotência. Cá embaixo, ao nível da rua, quem sabe, o arvoredo o protegesse ou,
até mesmo, o vento rasante aquecido pela terra o acalorasse. Estou certo de que
preferiria estar mais junto a nós.
Portanto,
estátuas devem ficar ao rés do chão, trocando olhares. É um erro elevá-las.
Afinal, são reproduções de seres vivos, de existências terrenas, não de aladas.
David e a Pietá, ambos de realismo anatômico impressionante, um em Florença e
outro no Vaticano, estão ao alcance de nossa admiração.
Eu não
tenho receio de dizer que converso com elas. Sou de um tempo em que tudo o que
existia falava. (Era uma vez...)
Norberto Seródio Boechat é bonjesuense/pirapetinguense
Belíssimo texto!
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