Saulo Soares |
Há
uma significativa e consoladora imagem judaica sobre a morte: um navio de
partida. Dizem: quando alguém morre é como se um navio desaparecesse na linha
do horizonte. Não mais o vemos. No entanto, do outro lado, no Grande Porto,
avistam-no e, alegres o saúdam os que antes partiram.
A
linha do horizonte é a linha da visão, do que podemos enxergar. Não se trata,
notem, de uma linha vertical, mas, horizontal, igualitária. De fato, a morte
nos iguala e põe por terra as diferenças num grande abraço. A cruz também traz
esse sentido: o encontro de uma linha fincada na terra e apontando para o céu
na vertical e de outra, que se estende no horizonte, como braços que a todos
quer enlaçar...
Uma
bela e antiga homilia sobre o Sábado Santo diz que, "descendo à mansão dos
mortos", Jesus procura por Adão, estende-lhe a mão e lhe diz: "...Eu
sou o teu Deus...Levanta-te, pois não te criei para que fiques prisioneiro...
Eu sou a Vida dos mortos". Que Deus amoroso! Fomos feitos para estarmos em
pé, não curvados. Livres e para a Vida que ele nos reservou em seu Amor que
ressuscita!
Gustavo
Corção, em Lições de Abismo, recorda-nos a caráter inevitável da morte.
Entretanto, diz ele, quando ela chega a nós ou a um dos nossos nos parece um
absurdo. E por quê? Porque em nós, penso – mesmo nos descrentes! - há um
latente germe de eternidade a sussurrar: "Sois de Deus, sois do
Eterno!"
A
morte nos faz "lembrar" o que está por vir: a nossa partida.
Torna-nos mais conscientes da nossa humanidade e deveria fazer de nós mais
solidários e urgentes no bem. No samba "Quando eu me chamar saudade",
de Nelson Cavaquinho, podemos escutar: "Sei
que amanhã quando eu morrer, os meus amigos vão dizer que eu tinha um bom
coração... Mas depois que o tempo passar, sei que ninguém vai se lembrar que eu
fui embora. Por isso é que eu penso assim: se alguém quiser fazer por mim, que
faça agora!" E termina: "Me
dê as flores em vida, o carinho, a mão amiga, para aliviar meus ais! Depois que
eu me chamar saudade, não preciso de vaidades, quero preces e nada mais!"
Com
certeza você viu partir pessoas amadas. Estão em Deus, creia! Lembro-me o que
me disse um jovem, citando uma canção: "As flores de plástico não
morrem..." Retruquei: "Não, as flores de plástico não vivem..."
Não somos de plástico, nem descartáveis, temos valor, vivemos!
Cada
um de nós é uma obra única, irrepetível, rara, de incalculável valor! É o que
nos diz um trecho de "Meditações XVII", do inglês John Donne: "Nenhum homem é uma ilha isolada; cada
homem é uma partícula do continente, uma parte da terra. Se um torrão é
arrastado para o mar, a Europa fica diminuída... a morte de qualquer homem
diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por
quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.
Por
fim, João 12,24: "Se um grão de
trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá
muito fruto."
Sigamos
em frente! Deus está ao nosso lado!
Grande abraço.
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