As colheitas ainda eram fartas no Norte Fluminense. Antônio Ignácio partiu sozinho, com a viola de arame e parte dos dois contos e quinhentos mil réis da herança paterna. Esperando uma transferência, Maria Borges da Silveira continuou em Cacaria lecionando e criando com muito sacrifício as cinco filhas e o menino Getúlio, todos nascidos no lugarejo. Só mudaram depois que o pai comprou um pequeno sítio a cinco quilômetros de Bom Jesus do Itabapoana (p. 52).
Meses depois de proclamada a República, Antônio Ignácio da Silveira ensaiou uma entrada na política, participando da primeira tentativa de emancipar Bom Jesus. Longe da mulher por uns tempos, o sitiante encantou-se por outra mulher, moça pobre de quem escondia a aliança de casado. Enquanto o irmão José Ignácio se empenhava em conseguir a nomeação da cunhada, Antonio passou a administrar complicadas relações afetivas, indo e vindo de Bom Jesus para Cacaria e fazendo filhos nos dois lugares. (p.52).
Em 1890 nasceu mais um, Boanerges, da prole de Maria. A situação da professora estava ficando insustentável até que a transferência saiu. Maria arrumou as malas e seguiu o marido, levando a filharada, inclusive o recém-nascido, e a cunhada Xzaxá. Ao chegarem, todos sabiam, e a esposa também acabou sendo informado que o marido já havia constituído outra família com uma moça chamada Sinhá, que até lhe dera um filho. O alegre Antônio Ignácio, amigo de todos e querido de muitas, tinha também uma outra mulher, Odete, mantida por ele na Guaxa, a zona de meretrício (ps. 52/530 .
p.69
Açougue de Antônio Ignácio da Silveira.
Desde que trocara o sítio e as dívidas pelos afazeres de comerciante, o marido da professora nunca mais plantou um pé de café. Sua única ligação com a agricultura era o cartaz. Boanerges cresceu olhando o mapa arrasado, mas a roça para ele não tinha apele algum. O filho do açougueiro gostava mesmo era da vida na cidade e de ler. Qualquer tipo de leitura - livo, revista, almanaque, jornal, até bula de remédio. Outra diversão era pescar com o pai nas madrugadas do Itabapoana, na Cachoeira do Inferno. Iam também o irmão e amiogs. O peixe era farto ali. A água caía de grande altura, corria por baixo das rochas, percorria uns dez metros e só então saía no leito do rio (p. 69)
Getúlio e Boanerges eram muito parecidos na índole trnquila e no físico - magros, espigados, narigudos. O companheirismo tinha razão de ser. Únicos filhos homens da prole oficial, tinham pouca diferença de idade e os amigos eram os mesmos. Tatão Magalhães era unha e carne com Boanerges. João Teixeira de Siqueira, o Tote, um garoto magrinho e brigão, regulava com Getúlio. Tote tinha uma irmã, Maria do Carmo, a Biluca, musa dos versos de Boanerges (p. 69).
Tote e Biluca eram órfãos de pai, o fazendeiro Joaquim Teixeira de Siqueira, que deixou uma viúva bonita. Felicíssima, a Ciça, casou-se aos 13 anos e enviuvou aos 18. Não ficou só por muito tempo. Com filhos pequenos para criar, Biluca ainda no colo, a bela Ciça foi aconselhada pelo sogro João Teixeira de Siqueira a arranjar marido. O próprio velho escolheu quem julgava o parceiro ideal para a nora - o administrador de sua fazenda.
Além de trabalhar para os Teixeira, o mineiro Duarte Vieira Fraga era dono de uma olaria e fabricava um fumo de rolo grosseiro, vendido só na região.
O tempo foi passando e Boanerges continuou gostando da menina, mas o mineirão detestava almofadinhas. Getúlio estava decidido a seguir carreira de topógrafo e foi esta sua profissão na vida, até se aposentar. Boanerges queria ser engenheiro, mas largou a faculdade e foi trabalhar numa tipografia, depois numa gráfica. Arranjou emprego público e voltou a Calheiros maior de idade, disposto a pedir a mão da enteada do home que não suportava mãos sem calos.
Duarte não queria vê-lo pintado. (p.70).
pági. 71
para mostrar a todos que Biluca não era uma órfã desprotegida, organizou a maior festa de casamento já vista em Bom Jesus. Foi a partir desse gesto generoso que Biluca passou a chamá-lo de pai.
Duarte guardava uma carta na manga. Já que ia pagar a conta do casório, escolheu o local da festança. Foi num sítio em Barra de Pirapetinga, justamente o pedaço de tera destinado a Biluca na partilha de bens feita muitos anos atrás, quando da viuvez de Ciça Teixeira. Uma fazendola dividida ao meio. Metade pertencia a Tote, metade à irmã depois de arranjar marido para cuidar dos pés de café e do pequeno rebanho.
Muita comida, bebida e dança. Maria Borges, professora aposentada, divertiu-se com as cantorias de Antônio Ignácio, dedilhando sua viola açoriana.
No dia seguinte, Duarte viu Boanerges se aprontando para voltar para Bom Jesus e, de lá, para o Rio de Janeiro, onde pretendia morar com a mulher. Chamou-o num canto: - Tomei conta das coisas da sua mulher até hoje. Agora a terra não é mais só dela. É sua também. Eu não quis o casamento. E, sendo agora sua propriedade, não tomo mais conta dela. Você não vai para o Rio. Vai é ao Banco Hipotecário, em Campos, porque la está todo o dinheiro do sítio (pág. 71).
Boanerges e Biluca não passavam o tempo inteiro em Barra de Pirapeting. Viviam também na casa montada pelo rapaz no centro de uma chácara na rua dos Mineiros, em Bom Jesus, a dois passos da Farmácia Normal de Pedro Gonçalves da Silva, o seu Pedroca, chefe político local. Sob a influência do farmacêutico e de João Catarina Júnior, fazendeiro e vereador em Itaperuna, Boanerges tornou-se entusiasmado cabo eleitoral de Nilo Peçanha e foi introduzido nas manhas e artes da política interiorana (pág. 72).
págs. 72/73
Boanerges comprou o Sítio Rio Preto.
" A terra herdada por Biluca para sempre seria a roça do Durate. o Rio Preto, pelo contrário, teria seu cheiro.
Foi ali, perto do velho sítio que o pai trocara pelo açougue, que Boanerges aprendeu de verdade a lidar com a terra.
Ali também o casal viveu seu primeiro drama, com a morte do filho recém-nascido a quem dera o nome de Colombo, em homenagem ao médico Colombino Teixeira, figura importante na cidade, primo de Biluca e responsável pelo parto.
Para cada filho que Biluca perdia, Boanerges compunha estrofes amarguradas. Em março de 1915, o jornal local Itabapoana publicou um desses poemas:
Vestido de azul num caixãozinho
de lilás de nívea transparência
ele tinha entre as mãos um ramozinho de flores
e perfume de inocência... vi meu filho
Tinha a face escorada meia branca
qual flor caída que perdera o brilho
a poucos passos lhe esperava a campa
e abrindo no espaço, um vão, um trilho... foi-se meu filho
Mas foi no Sítio Rio Preto, também, que nasceram, cheios de Saúde, Badger e José.
Roberto e seus irmãos, quando crianças, evitavam um lugar próximo a Pirapetinga onde, segundo diziam, podiam dar de cara como saci-pererê. O saci era, na verdade, um menino criado na fazenda, José Veloso Neto, que se escondia perto de uma curva, a Curva do Saci, e do meio do mato, assobiava para dar susto em quem passava sozinho por lá (págs. 73/74).
Boanerges clecionavam almanaques, acompanhava o noticiário especializado sobre café, economia e política nos jornais, sabia estar pisando o novo eldorado. Só precisava de mais espaço. pág. 74)
Em Bom Jesus, um português rico, Manuel Seródio, fazia as vezes de casa bancária, emprestando a juros de 12% ao ano. Boanerges negociou a hipoteca e saiu da casa de Seródio para fechar negócio nas terras altas do Faustino.
Nascia a nova São Tomé.
O novo dono da São Tomé sabia gastar.
Antonio Ignácio morreu antes da concretização do negócio, na casa de uma filha, pois tanto a esposa no papel como a amante oficial se afastaram dele. Depois de enterrá-lo, as duas famílias passaram a conviver harmoniosamente, embora Maria e Sinhá não trocassem palavra. Odete matou-se na zona da Guzxa, bebendo formicida. (pág. 75).
Cinco anos depois de instalado na São Tomé, Boanerges derrubara a mata e espalhara café. A São Tome produzia de tudo. A caldeira alemã punha em funcionamento as máquinas de pilar café e de debulhar o arroz, além do moinho de fubá. A produção de café passava das mil sacas e, tal e qual o avô, Boanerges abriu um armazém para vender o que plantava.
Vivia confortavelmente numa casa de cinco quartos, duas salas e varanda, ao lado de um quintal cheio de pés de laranja lima. Na sala de visitas, móveis de palhinha, cadeira de balanço, mesinhas de mármore, cantoneiras e lampiões da Bélgica. (p.77)
Trinta famílias roçavam em parceria com o dono da São Tomé e em cada casa havia um afilhado de Boanerges e Biluca.
danças e cantorias animadas pela banda que também tocava na festa do Divino. Os instrumentos eram rabecas, violas, flautas de folhas de mexerica e violões, além de pandeiros e tambores de vários tamanhos repicados pelos filhos e netos de escravos nas rodas de caxambus, que tinham ponto alto no dia 13 de maio.
Os negócios iam tão bem que Boanerges, cigarrinho de palha no canto da boca, tentou quitar a dívida. Seródio respondeu que não havia necessidade. Preferia só os juros do empréstimo. boanerges voltaria em outras ocasiões para repetir a proposta e livrar-se da hipoteca, mas o português desconversava. p.78
Julho de 1927 voou da Itália para o Brasil João Ribeiro de Barros, pioneiro da aviação, a bordo do hidro avião batizado como Jaú. A passagem pelo Norte fluminense foi festejada em Bom Jesus e Calheiros. 78/79
o voo foi um dos acontecimentos marcantes da infância de Roberto Teixeira da Silveira. (pág.79);
Carlos Rogério da Silva Peçanha, técnico especializado em serviços elétricos, estudou na escola da Fazenda São Tomé, que funcionou na casa onde viveram os governadores Roberto e Badger Silveira.
Segundo Carlos Rogério a professora da escola se chamava "Jandira, irmã de Modesto. Fui estudar na Fazenda São Tomé quando eu tinha 10 anos. Lá, estudei em 1963 e 1964. Fiz a 2a e 3a séries. Em seguida, fui fazer o admissão em Itaperuna. Haviam cerca de 25 alunos. Eu vinha a pé da Usina Franco Amaral, onde meu pai trabalhava e morava. Levava cerca de 40 minutos e fazia a caminhada junto com outros estudantes que iam se juntando, durante o percurso. Recordo-me que na região havia cerca de 40 casas de colonos. E quando havia baile ou missa, reuniam-se mais de 200 pessoas na Barra.
Fui estudar lá, quando a escola da Usina Franco Amaral fechou.
O pai de Tião comandava uma folia de reis e era, também, tropeiro que costumava levar, de 15 em 15 dias, mercadorias em cerca de 6 a 8 burros para a Usina Franco Amaral, uma vez que lá moravam cerca de 15 a 18 funcionários que tinham o dinheiro certo do salário.
FABIO DE AQUINO FERREIRA é irmão de Flavio e é proprietário da parte da Fazenda São Tomé onde está construída a sede centenária da fazenda. O prédio, embora reformado, mantém os traços da sua história.
Segundo Fabio, foi Manoel Português quem construiu a fazenda, tendo Belarmino como carpinteiro.
Na região há muitas histórias. Uma delas da conta de que " certa vez, houve, pela manhã, uma missa no pátio da sede da fazenda. Contam que meu tio, após ter bebido um pouco além da conta, teria criticado o ato religioso e jogado praga, por causa da seca que prejudicava a regiao. O fato é que, à tarde, houve uma tromba d'água que atingiu exatamente a plantação de café do meu tio causando grande estrago apenas em sua área, o que impressionou a todos e fez crer que teria sido um castigo divino.
"Estive presente por ocasião das festividades da comemoração do centenário do Barão de Aquino, em Duas Barras (RJ). Barão de Aquino nasceu lá. Eu era herdeiro direto e recebi um canudo com 5 cartas e um álbum de familia, com capa lilás, folheado a ouro e aveludado. Doei para o Museu da Imagem, de Pirapetinga de Bom Jesus. Doei também o documento de nomeação do Barão de Aquino e uma bengala amarela que pertenceu a ele. A doação se justifica porque meu avô foi proprietário da Fazenda das Areias localizada em Pirapetinga e eu quis que a memória dele fosse preservada", assinalou.
Filhos de Chichio da Areia. Celso Ferreira de Souza, Ilma, Modesto.
Em certa epoca, Boanerges deu demonstracao de insanidade, pois ficava pescando com varol na propriedade
Psicultura. Capela Sao Pedro. Serra Boa Vista.
Sérgio Gomes Ferreira, primo de Flavio, é filho de Silvio Pereira de Souza, e neto de Florentino Alves Ferreira, conhecido como Nonô Monteiro. Ele é proprietário de uma parte da Fazenda Sao Tome. Segundo Sérgio, Roberto e Badger nasceram na casa onde está atualmente localizada a tulha.
Tiao nasceu no dia 25 de abril de 1924 em Mirindiba, zona rural de Bom Jesus do Itabapoana. Filho de Manoel Florenço da Costa, nascido em Porto Novo da Cunha (MG), e Diolina de Souza, nascida em Mirindiba. Os avós paternos são Cosme Florenço e Isabel Catarina da Rosa, nada sabendo sobre os avós maternos. São 12 irmãos: José, Benedito, Antônio, Homero, Doria, Maria, Alice, João, Francisco, Lygia e outro de cujo nome não se recorda.
Segundo Tião, que trabalhou por Boanerges era farrista e fazia festas na Fazenda, às 4as feiras e sábados. Ele costumava pegar dinheiro emprestado com Chichico das Areias. Nas festas, eram servidos broa, cafe e queijo.
Trabalhei 45 anos na Fazenda São Tomé, enquanto Chichico das Areias viveu. Convivi com seus filhos Zezé, Modesto, Zota, Maria, Vera, Gessi, Ilma e uma outra, que esteve doente em Itaperuna. Eu tinha 16 anos quando fui trabalhar na Fazenda. Chichico das Areias colhia 14 mil arrobas de café da Fazenda Sao Tomé e 22 mil arrobas na Fazenda das Areias. Completou 90 anos de idade em 25 de abril passado.
A Fazenda das Areias, de Chichico das Areias, em Pirapetinga de Bom Jesus, chegou a produzir 22 mil arrobas de café, segundo Sebastião Florenço, enquanto a Fazenda São Tomé produzia 14 mil |
"Casei-me duas vezes, uma com Alcelina e outra com Celina, e tive com ambas, 14 filhos e só parei quando fiquei viúvo pela segunda vez. Se nao fosse isso, eu teria hoje mais de 40 filhos", brinca Tião.
Sebastião Florenço trabalhou 45 anos na Fazenda São Tomé |
Dr. José Antonio Rangel conheceu Boanerges quando ele passou a morar em Bom Jesus do Itabapoana:
" Ele morava num prédio localizado nas imediações da Praça Governador Portela. Nesta época, seu filho Roberto Silveira era vice-governador do Estado do Rio de Janeiro. Ele colocava um alto-falante que ficava anunciando fatos políticos e sociais. Quando eu era rapaz, cheguei a acompanhar Roberto Silveira, já governador, em uma comitiva, na inspeção da construção da Usina Franco Amaral, que era uma usina piloto, com o objetivo de gerar energia para a construção da Usina de Rosal. Conheci o irmão de Roberto Silveira, conhecido como Zequinha, que foi deputado federal pelo estado do Paraná. Recordo-me, ainda, da presença de Badger em Bom Jesus do Itabapoana. Ele possuía um cargo público". assinala.
Carlos Rogério da Silva Peçanha estudou na Escola da Fazenda São Tomé, que funcionou no prédio onde viveram os governadores Roberto e Badger Silveira |
Fábio de Aquino Ferreira, outro descendente do Barão de Aquino... |
... e a sede centenária da Fazenda São Tomé |
Sérgio Gomes Ferreira, primo de Flávio e Fábio, é proprietário de uma parte da Fazenda São Tomé |
Dr. José Antonio Rangel e o local onde residiu Boanerges Silveira, quando este se fixou na cidade |
Dr. José Antonio Rangel |
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