quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A LEI DA PISTOLA



            "...Uma das decisões do interventor (Ernani do Amaral Peixoto), foi a criação de novos municípios, fracionando Itaperuna em cinco partes: Laje do Muriaé, Porciúncula, Natividade do Carangola, Bom Jesus do Itabapoana e aquela que conservou o nome original, Itaperuna, e o território mais extenso. O distrito de Calheiros ficou em Bom Jesus.
            Havia muita violência na região. O Norte fluminense era infestado de marginais. Falava-se em sindicato do crime e os nomes dos pistoleiros de aluguel eram conhecidos até das crianças. Foram nomeados delegados especiais rigorosos. Para São Fidélis, um dos focos da bandidagem, seguiu o tenente Coracy Ferreira de Souza, com carta branca para atuar em várias cidades próximas, inclusive Bom Jesus. Coracy impôs-se pela ferocidade. Perseguidor implacável de pistoleiros e ladrões de gado, acabou com disputas de terra que se arrastavam por décadas, provocando banhos de sangue a cada geração. Cair nas mãos dele significava ter confissões arrancadas sob tortura. Em muitos casos, os criminosos saíam diretamente do xadrez para o cemitério. Vagabundos e pequenos malfeitores sumiam do mapa ou eram recrutados para o que o tenente chamava de Oitava Coluna, uma volante nos moldes nordestinos. Seu poder era tanto que até os coronéis da política ligados a Amaral Peixoto o temiam.
            Com o tenente Coracy disposto a enfrentar os valentões, Boanerges preocupou-se com o cunhado. A fama de brigão acompanhou João Teixeira de Siqueira, o Tote, até o túmulo. Ainda menino, magrinho e mirrado, não tinha noção de perigo e vivia comprando brigas com garotos maiores. Foi insolente com o padrasto Duarte, a quem enfrentara algumas vezes em bate-bocas que por pouco não chegavam às vias de fato. Aprender a atirar era só o que faltava na vida de Tote Siqueira, e isso também aconteceu. Tote tinha a coragem e a pontaria de um cangaceiro.
            Quando Tote se casou e afastou-se da vida no campo, estabelecendo-se no comércio, a família respirou aliviada, mas a cidade só lhe trouxe problemas. O maior deles vinha dentro de uma garrafa de aguardente. Sóbrio, Tote era um comerciante honesto e correto, cumpridor de seus deveres e da palavra empenhada. O álcool, porém, transtornava-o. A paixão que sentia pela mulher, Carolina, era potencializada em crises de ciúme. Nos bares, convivia com uma escória que percebeu seu ponto fraco e o atiçava.
            Bom Jesus tinha dois médicos: Colombino Teixeira e Jerônimo Tavares. Colombino, primo de Tote e de Biluca, fabricava inimigos com sua prepotência e se aborrecia por besteira.
            Sempre que ia dar alguma consulta na São Tomé, o médico fazia uma parada quase no início do trajeto de doze quilômetros entre a cidade e a roça de Boanerges, para tomar café com o amigo Quinquino Rodrigues. Conversa vai, conversa vem, arroba do boi para lá, preço do café para cá, o médico viu no quintal umas abóboras enormes e frescas. Perguntou se podia levar uma delas. — Claro, doutor. Elas são para os porcos mesmo...
            Colombino reagiu com a violência habitual, sem perceber que podia não haver intenção ofensiva na resposta. A amizade terminou aí.
            Jerônimo, eleito deputado em 1923, era o oposto: amável ao extremo. Mas tinha fama de conquistador e, dizia-se, seu fraco era mulher casada. Um dos falsos amigos de Tote insinuou que Jerônimo Tavares dava em cima de Carolina, chamada pelos familiares de Bizica, Tote não teve dúvidas: saiu à caça do Dom Juan e descobriu que estava socorrendo um doente em Bom Jesus do Norte, cidade vizinha, no Espírito Santo, separada de Bom Jesus do Itabapoana apenas por uma ponte sobre o rio. Encontrou os dois médicos voltando a cavalo da casa do paciente e matou o suposto desafeto à queima-roupa. O primo Colombino estava junto.
            E tome tiro. Colombino Teixeira, apavorado, sujo do sangue do colega morto, a balaceira sobrevoando o chapéu panamá, saiu galopando em disparada. Por sorte, escapou.
            Carolina soube do crime e, temendo pela própria vida, fugiu para a fazenda do pai, em Pirapetinga, levando o casal de filhos, Homero e Haydée.
            A família de Jerônimo mobilizou-se para vingá-lo e mandou um pistoleiro. Ao encontrá-lo, o matador de aluguel disparou o primeiro tiro, mas levou os outros. Tote fugiu para Minas Gerais, onde ficou algum tempo acoitado, até que o esconderijo foi descoberto e ele optou por voltar à cidade natal.
            A parentada do deputado contratou mais dois capangas para o serviço. Os recém-chegados não o imaginavam tão pequeno e frágil e não o reconheceram ao encontrá-lo.
— O senhor conhece Tote Siqueira?
— Conheço sim, moço. Ele é daqui. Não presta!
— respondeu o próprio, percebendo as intenções dos dois estranhos.
— Pode dizer onde ele mora?
            O magricela deu o endereço certo e os pistoleiros seguiram as indicações. Tote tomou outro caminho, mais curto, e os esperou perto de casa, de onde os matou, fugindo de novo. Desta vez, demorou-se, e só foi preso anos depois, no município de São José do Calçado, no Espírito Santo. Levado a julgamento, invocou a legítima defesa da honra, sendo absolvido. Na família, ninguém acreditou na versão maldosa de adultério, mas nunca houve reconciliação entre João e Carolina.
            O delegado especial não estava atrás de brigões como Tote, mas de profissionais do gatilho como Né Moreira, Ferrinho, Chico Diabo e Adetin Raposo, que percorriam a região farejando intrigas. As divergências entre fazendeiros terminavam muitas vezes a sete palmos da terra. A notícia de um desentendimento qualquer corria rápido e, como abutres, eles se apresentavam, solícitos, nas varandas dos ultrajados.
            Certa ocasião, Boanerges e seu vizinho mais próximo, Benedito dos Santos, tão pacato quanto ele, entraram em conflito. Desavença de pouca monta. Bastaram alguns dias para que Né Moreira surgisse na estradinha do saci, querendo oferecer serviço, mas Boanerges recusou-lhe os préstimos.
            Meses depois, Né foi preso no Espírito Santo. Né era temido por um requinte de perversidade: tinha o costume de inserir no cartucho de chumbo um cravo de ferrar cavalos. O efeito era devastador. Se o infeliz não morresse em consequência do impacto do tiro e dos estragos da pólvora, jamais escaparia da infecção provocada pela ferrugem. Na cadeia, mesmo sob tortura, o bandido emudeceu. Não saiu vivo. Adetin Raposo viveu mais: no início dos anos de 1950, aparentemente regenerado, ganhava o pão na Prefeitura de Niterói. No entanto — coisas da política — era lotado em Duque de Caxias, onde trabalhava para o deputado Tenório Cavalcanti, até cair numa cilada fatal em Porto das Caixas, no município de Itaboraí.
            Havia famílias que não precisavam recorrer a pistoleiros porque estes eram feitos em casa. Em Serônia, lugarejo situado oito quilômetros acima da São Tomé, viviam os Jacós e os Severos, que se davam bem. Severão, mulato alto e forte, conversador, era um dos chefes. Quim Jacó, com o mesmo doce perfil, o outro. Vizinhos e amigos a vida toda, tudo foi por água abaixo quando os porcos de Jacó teimaram em invadir a roça contígua. Severão chamou Quim Jacó depois de algumas incursões dos porcos e avisou: se os animais continuassem devastando suas mandiocas e o canavial, iria matá-los.
            Ao saber da briga, Boanerges convidou Severão para uma conversa. Depois chamou Jacó, que prometeu prender os animais, ressalvando que não poderia responsabilizar-se, caso fugissem, fato que voltou a ocorrer. Severão não conciliou: matou os porcos. Dias depois, um de seus empregados era tocaiado e morto. A polícia investigou e nada concluiu. Podia até nada ter com os porcos. No entanto, passado algum tempo, um parente de Jacó apareceu estirado na estrada. Foi a vez de Quim, pessoalmente, fuzilar um dos filhos do vizinho. Semanas depois, passou em frente à São Tomé, armado com espingarda e dois revólveres. Boanerges viu que não adiantava mais: o homem jurou que a luta não teria mais fim. Na mesma tarde, Quim Jacó foi morto com dezoito facadas e alguns tiros. Menos de uma semana depois, Severão era tocaiado, mas sobreviveu.
            As duas famílias venderam as fazendas e cada qual foi para seu lado.    Depois do derramamento de sangue, a calma reinou naqueles cafundós. Os moradores de Calheiros e Pirapetinga brigavam por bobagens, querelas provocadas por galinhas que iam parar na panela do vizinho, cabritos que passavam de urna propriedade para outra e não eram devolvidos. Ficava nisso. A tragédia dos Jacós e Severos era recente. Ninguém queria um fim parecido. A tal ponto as coisas estavam tranquilas que o subdelegado Álvaro Gomes pendurou a tabuleta na porta do xadrez: "Reclamações, a partir de hoje, só de leitoa gorda pra cima".

( Do livro ROBERTO SILVEIRA, A PEDRA E O FOGO, de José Sergio Rocha, Casa Jorge, 2003, págs 100/104)


Benedito dos Santos



 Tenente Coracy de Souza Ferreira foi nomeado Delegado Militar, em 1936, para as regiões de Campos dos Goytacazes, São João da Barra e Itaperuna, região a qual Bom Jesus pertencia (foto do jornal A Voz do Povo)


                           QUIM JACÓ e SEVERO COCO


Serônia

Tião Cosme, bonjesuense residente em Calheiros, com 97 anos de idade, lembra da época em que, na região, havia muitos pistoleiros. A respeito do famoso confronto entre Quim Jacó e Severo Coco, ele conta outros detalhes:

"Quim Jacó  e Severo Coco eram bravos.
Colocavam cruzes nos lugares onde matavam as pessoas, na Serônia, região da parte alta da Fazenda São Tomé.


Quim Jacó, certa vez, acertou um tiro de espingarda 21 em Severo Coco, que foi socorrido e se recuperou meses depois. Severo comprou, então, envelope, caneta e carta e enviou-a para Quim Jacó, com os seguintes dizeres: "Você não soube atirar, você vai ver como se mata um homem".

Severo Coco ficou de tocaia numa pedra alta, escondido, sem comer, ou comendo mal, por vários dias. Até que viu finalmente Quim Jacó vindo pelo caminho. Severo Jacó mirou e acertou-o com vários tiros. Após Quim Jacó cair,
Severo chegou diante dele, esfaqueou-o e bateu com a coronha da espingarda na sua cabeça e disse: 'você é um patife e não sabe atirar'. Severo Coco morreu no Alcantilado, Guaçuí (ES), numa cama de palha de bananas".



Tião Cosme









O LAMPIÃO DE ROSAL






Anizio Gomes Pimentel nasceu em 15/12/1937, na Fazenda São Luís, zona rural de Rosal, distrito de Bom Jesus do Itabapoana.




Anizio Gomes Pimentel

Filho de Francisco Gomes Pimentel e de Hilda Araújo Leite Pimentel, teve como avós maternos Anízio de Araújo Leite e Maria José Alves Pimentel de Araújo Leite. Os avós paternos foram Francisco Gomes de Oliveira (Chico Gomes) e Ana Alves Pimentel de Oliveira.

Chico Gomes fundou sua Banda de Bom Jesus do Itabapoana, em sua residência, localizada na Fazenda Barra Funda, no dia 26 de julho de 1911. A banda existiu até o ano de 1946.
 

                    A Banda de Chico Gomes (à direita), fundada em 1911


Anizio se recorda de fatos marcantes da época de seu avô, Chico Gomes, incluindo os relacionados ao Lampião de Rosal, época em que imperava a lei da pistola. 

Segundo ele, em certo dia, foi morar em Rosal um homem conhecido como Tenente Silvino: 

"Diziam que ele tinha sido capanga de Lampião. Seria do Exército e teria desertado. Fora preso em Recife, mas quando um outro preso adoecera e fora acudido pelo carcereiro, ele e mais onze presos conseguiram fugir. Tenente Silvino acabou vindo para Rosal, mas era considerado pior que Lampião. Ele chegava nas casas e se gostasse de alguma mulher, dava ordens e a possuía", conta Anizio.

Por conta disso, há comentários de que Tenente Silvino teria tido descendente na região.

Continua Anizio: "Se ele via, por exemplo, algum capado, determinava: 'mata aquele capadinho e coloca na lata para eu levar', promovendo o terror na região".

A história do homem dos 3 jotas

Prossegue Anízio: "Certa vez, à noite, o cidadão João José Jacomini, o 'homem dos três jotas', estava andando de cavalo em Bom Jesus do Norte (ES), próximo ao cemitério. Neste momento, ouviu uma voz que gritou para ele: "Quem vem aí?" João respondeu: 'Aqui vai o homem dos três jotas'. A voz replicou: 'Pois aqui é o Tenente Silvino. Vamos, então, medir força!' Neste momento, tiros começaram a ser disparados em direção a João José, que caiu do cavalo, sem ser alvejado, e se embrenhou no mato. Depois de duas horas, após percorrer 4 quilômetros, com todos os cuidados possíveis, conseguiu chegar seguro até a sua casa".

Rifas


"Tenente Silvino costumava realizar rifas em que os ganhadores eram sempre pessoas desconhecidas. Certa vez, ele ofereceu uma para Chico Gomes, que, contudo, recusou a compra.

Tenente Silvino resolveu, então, levar, à noite, cerca de seis capangas para matar Chico Gomes. Quando avistaram a residência dele, o Tenente Silvino gritou para Chico Gomes: 'Vamos cruzar o bigode!'

Ocorre que Tenente Silvino, ao observar atentamente a residência de Chico Gomes, constatou uma grande movimentação de pessoas. Ouviu uma falação alta e vultos se deslocando entre os esteios da casa. Supondo que lá estavam pessoas para defender Chico Gomes, resolveu se retirar do local.


Foi Zezé André quem informou este fato ao próprio Chico Gomes, tempos depois. Tenente Silvino dissera a Zezé André que, na casa de Chico Gomes, devia haver cerca de 30 homens armados, que promoviam um falatório, além de atiradores de elite atrás dos esteios da casa. 


Chico Gomes, entretanto, esclareceu, a Zezé André que, na verdade, estava acontecendo uma reunião festiva em sua casa, onde havia muita gente falando e as crianças brincavam se escondendo entre os esteios da casa. Como tudo era iluminado por lampião, deu-se a impressão que pessoas se movimentavam escondendo atrás das escoras da casa. 

Tenente Silvino morreu em uma troca de tiros com cerca de 30 policiais comandados pelo Tenente Coracy, que veio de Niterói. Quando morreu, o Lampião de Rosal estava acompanhado apenas de um capanga, uma vez que os demais resolveram fugir", finalizou Anizio.

                            ***


"Por trás da sede do sítio, o caminho alto leva à Serônia da disputa sangrenta entre os clãs dos Severos e dos Jacós. No sentido inverso, indo pela estradinha tortuosa, a casa de Neneco, que ia para a escolinha de dona Olga a pé, seguindo o amigo Roberto. A pedra, da qual Roberto um dia acreditara ter sido gerado, continua ali, uns cinquenta metros adiante, perto do marco que separa os dois sítios" (último parágrafo do livro "ROBERTO SILVEIRA, A PEDRA E O FOGO", p.451)


 

5 comentários:

  1. Muito importante reavivar a historia contada pelo povo através dos tempos, da pra imaginar o clima em que viveram meus antepassados.
    BOM JESUS ME ABENÇOOU
    LA DE ITABAPOANA
    EU VIM DE LÁ CRIANÇA
    ME CRIEI EM SÃO GONÇALO
    NO MEIO DE GENTE BAMBA...

    Confira na integra.
    https://www.palcomp3.com/ademirfdesouza/meus-caminhos-isrc-br-d7d-07-00009-ademir-de-souza/

    https://www.youtube.com/watch?v=R1de2Lxo96c&feature=share

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  2. Muitos fatos ja conhecia do Livro, A Pedra e o Fogo.

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  3. Esta postagem me fez recordar meus avôs contando os casos dos tempos deles. Muito bom. Parabéns pelo trabalho!

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