terça-feira, 27 de agosto de 2019

AMIGO DE FERRO


Por que calaram a sua voz?
Por que cortaram suas pernas
e você teve que ficar paralisado?
Por que cortaram água e oxigênio
e você parou de respirar?

Difícil dizer por que causaram tamanho mal
a um amigo de tanto tempo, que trouxe tantas
notícias, almas, mentes e corpos. Amigo que levou
tantas coisas necessárias aos rincões mais distantes.

Subindo serras, cortando campinas, cruzando rios
e margeando lagos. atravessando rochas e matas
enfrentando chuva, sol, noites claras ou
manhãs nebulosas. Você nunca
deixou na mão quem precisava de sua
força, seu trabalho incansável.
                              
Resfolegando, emitindo uivos agudos ou,
em tempos mais recentes, cortando o vento quase em
silêncio, você levou progresso,
criou cidades, acabou com o isolamento.

Aqui mesmo, onde digito esse tributo, você
teve dias de glória. Com muita fumaça e apitos
anunciava sua chegada e atraía crianças,
adultos e idosos, que vinham saber das novas.

Você não vinha direto das capitais, devo ressaltar.
Não via de perto o Rio de Janeiro nem Vitória.
Fazia um pequeno trajeto, que se iniciava na pequena
Ponte do Itabapoana, passava por Apiacá, José Carlos e
encerrava a viagem aqui, em Bom Jesus do Norte.

Não é difícil imaginar o quanto seus movimentos
causavam alvoroço: cachorros preguiçosos
saltavam dos trilhos; donas de casa chegavam às
janelas; crianças corriam atrás dos vagões,
acenando e fazendo algazarra para os passageiros.

Mas o progresso deturpado calou sua voz.
A não ser na memória dos mais antigos,
em velhas fotos em branco e preto e no apelido do
bairro mais populoso daqui (a Beira-linha) nada
mais resta, amigo e querido trem de ferro.

Sei que você jamais voltará a correr por essas terras,
mas seja lá onde for que um seu parente volte
a apitar e fazer o chão tremer com o peso de sua
história, ficarei feliz e terei um pouco da certeza
de que você jamais será esquecido.

YELMO PAPA
BOM JESUS DO NORTE, FEVEREIRO DE 2009

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