quinta-feira, 3 de agosto de 2023

O PERFIL SECULAR DO PUM


  

Reginaldo Teixeira Chalhoub 


          Coisa desagradável é a gente encontrar uma pessoa amiga, que nos trata pelo nome, enquanto intimamente vamos forçando a mente para lembrar como se chama aquela bendita criatura. É chato mesmo! Isso vinha acontecendo com frequência comigo. Além desse, outros esquecimentos do tipo já estavam me aborrecendo e até irritando a minha mulher, que acabou por me convencer a procurar um médico.

         Preocupado com a idade e com o alemão que anda pegando velho por ai, o tal de Alzheimer, procurei um especialista, que depois de todos os exames, felizmente negativos, receitou-me uns comprimidos para o cérebro, que com certeza iriam me ajudar a não esquecer tanto das coisas. Seguindo a receita tomei cem (100) comprimidos, dois por dia. Confesso que em pouco tempo eu nem me lembrava mais do nome do remédio.

        Aí me disseram que bom para exercitar o cérebro eram as palavras cruzadas e lá fui eu à banca de jornal. Comprei revistinhas, quatro de uma vez. Entre as ditas fáceis, médias e difíceis, o sabidão aqui escolheu quatro, das difíceis. – Olha, é um negócio de endoidar qualquer cabeça, pois as tais palavras cruzadas têm a capacidade de revirar a língua portuguesa à procura dos mais obscuros e improváveis significados; humilham quem não tem conhecimento da língua inglesa e ainda exigem que conheçamos todos os artista da moda, roqueiros e bandas de roque de todo o planeta Terra.

      Encafifado com essa inesperada dificuldade, lá estava eu folheando o meu velho companheiro Aurélio, à procura de uma determinada palavra começada pela letra P (pê), quando dei de cara com a palavra “pum”.- Pum, lá estava ela!- Logo esqueci o que estava fazendo e me concentrei nela. Segundo o “pai dos burros” pum (1) designa estrondo ou (2) quer dizer peid*, pu ou traque. – Botei o asterisco porque a palavra poderia não cheirar bem. – E aí parei e fechei o dicionário, rindo sozinho como um pateta, a lembro do jeito como fui criado.

      É tanta coisa a respeito! Persas, judeus, gregos, romanos, até os franceses do “moulin rouge”-  toda a gente, ao longo da história divertiu-se com o pum. Há muitos escritos sobre isso. Crônicas, definições e todo tipo de comentários “técnico-divertidos” e um vasto anedotário, onde se destaca a história do sujeito que, no elevador, soltou um pum diante de um casal que também ali se encontrava, fato que gerou sério protesto do marido que o interpelou: “ Você não tem vergonha de peid* na frente da minha mulher ? – Ao que o cidadão simplesmente retrucou: Desculpa, moço eu não sabia que era a vez dela!”

      Pois é, muita coisa já se disse, já se escreveu, já se falou sobre o tema. A escritora Blandina Franco, por exemplo, há tempo nos presenteou com um divertido livro infantil,  “Quem soltou o pum?” – É uma historinha simples, de um cachorrinho de estimação chamado Pum. E de engraçadas situações: de não conseguir segurar o Pum, que é barulhento e incomoda todo mundo; que em dias de chuva, o Pum molhado é mais fedido ainda. Coitadinho do Pum e coitado do dono do Pum!

      Ora, pois, ninguém mesmo esta isento dos perigos representados por esse desditoso personagem, traiçoeiro, inopinado e inoportuno. Os idosos até já o tem como parte intrigante do seu caminhar, seu avô que o diga. – Excluindo os velhos, outros tipo de outras idades, passam por uma situação embaraçosa causada por sacana de um pum: por exemplo, a gente vê um cara que, de repente, tem um acesso de tosse sem motivo; ou arrasta os pés com violência, chuta uma cadeira, começa a cantarolar, enxota o cachorro, tudo para tentar disfarçar o som do pum que soltou. E eu estou falando só do som, minha gente.  – As mulheres, as senhoras ditas respeitáveis, todas, não são isentas ou imunes dessas barras pesadas. As coitadas, eu acho, têm muito mais dificuldade nessas ocasiões. E eu não sei explicar como elas se viram. 

      Amigo meu, de longa data, o Costa estava noivo de uma formosa senhorinha que morava em uma casa lá na Engenhoca, bairro de Niterói. Como sempre acontecia, o almoço domingueiro da família já incluía o Costa, noivo e futuro marido da menina da casa.

     Na parte da manhã de um certo domingo, a residência da moça estava com ar festivo: o almoço sendo preparado, os homens no quintal tomando cerveja, a música alta, com um disco de Altemar Dutra na vitrola e a noivinha toda alegre na janela da sala, que dava para a rua, a conversas com as amigas que estavam lá fora, na calçada. Bem lá nos fundos, com a rapaziada, seu noivo também bebericava uma geladinha.

      De repente, a jovem noiva se dobra mais na janela, para ouvir alguma coisa que alguém lhe dizia lá de fora. Nesse momento, e por azar, o Costa chegou de surpresa, e, brincando, cutucou com os dedos indicadores as axilas da moça: cócegas. Com o susto, sua noiva dá um pulo e um sonoro pum lhe escapa alto e vibrante. Ela grita, solta um palavrão e corre para o seu quarto, onde se fecha definitivamente. Dali não saiu naquele dia e nunca mais quis ver o noivo. Vergonha. Nunca mais. 

      Bagunçou o almoço, foi-se o noivado, acabou-se um amor. Coisas de simples pum. – Já dizia com propriedade Gonçalo Paiva: “ o amor é como um peid*; se forçado, vai dar merd*”...

      Mas deixemos de lado todo e qualquer preconceito tolo ou de fala pudicícia com o pum e o som do pum, algo já consumado, coisa real, física, humana, que está bem diante dos nossos olhos, digo, dos nossos narizes. O som do pum é um som universal, conhecido, e foi por isso que o grande Ariano  Suassuna magistralmente  sentenciou: “ som universal só conheço três: arroto, espirro e peid*”.

      Se examinarem com o devido cuidado, certamente hão de constatar que o assunto pum é da maior seriedade, comentado e discutido mundo afora durando séculos. Aliás, as más línguas andam dizendo por aí que nossas autoridades estão  seriamente preocupadas com o povo brasileiro, sentimento que teria sido selado, sacramentado pela maior autoridade desta pindorama que, em recente aparição, na televisão, brindara a plebe  ignara com  sonoro e respeitável pum: um pum presidencial. 

       Verdade ou “fake news”?

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