Por Gino Martins Borges Bastos
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O Açoriano Padre Antônio Francisco de Mello |
Quem se propõe, como memorialista ou historiador a buscar informações sobre a vida do açoriano Padre Antônio Francisco de Mello, um gênio da civilização e da cultura, encontra-se diante do desafio de recompor fragmentos como peças de um grande quebra-cabeça.
Nos registros jornalísticos do passado, percebe-se que sua presença irradiava prestígio: multidões se dirigiam à residência do pároco para festejar sua data natalícia. Padre Mello era poeta contumaz, publicava em diversos periódicos e, nas escolas, meninos afirmavam sonhar em ser como ele. Entre os patrícios portugueses, partilhava mesas e cânticos regados a vinho. Fortaleceu a tradicional Festa do Divino Espírito Santo, ergueu a bela fachada da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus, lecionou no Colégio Rio Branco, sendo também autor de seu hino, e formou discípulos, como Otacílio de Aquino.
Mas, se Padre Mello possuía enorme apelo popular, sua relação com o poder político foi marcada por tensões.
Políticos influentes recusavam-se a permitir que batizasse seus filhos, esperando a Festa de Agosto para confiar os sacramentos a outros padres. Havia quem o acusasse de querer “mandar mais que os próprios políticos”. Assim, como em um mosaico de luzes e sombras, sua trajetória se revela feita de contrastes: venerado pelo povo, mas incômodo aos poderosos.
Padre Mello exercia seu munus sacerdotal em plenitude. Para ele, a vida religiosa não poderia jamais se curvar à vida política. Pelo contrário, entendia que a política deveria estar sempre, não apenas em teoria, mas na prática a serviço do bem comum.
Após sua morte, em 13 de agosto de 1947, um enigma se acrescentou ao já complexo retrato de sua vida: sua biblioteca desapareceu misteriosamente. Décadas mais tarde, em Lisboa, o Dr. Márcio Pacheco encontrou, num alfarrábio (sebo) manuscritos de bela caligrafia. Somente após adquiri-los percebeu que pertenciam ao Padre Mello. Por um sopro do Divino, tais escritos, que cruzaram o Atlântico em silêncio, estarão em breve a caminho de regresso a Bom Jesus do Itabapoana, mais especificamente à Casa dos Açores do Espírito Santo, onde se tornarão relicário da memória coletiva.
Como chegaram a Portugal? Mistério ainda sem resposta.
O que se sabe é que Padre Mello permanece, até hoje, figura de devoção e reconhecimento popular, ao mesmo tempo em que simboliza a resistência diante da arrogância política. Sua lembrança jamais foi apagada: permaneceu viva, esperando o tempo certo para ser novamente contada.
No dia de sua morte, seu discípulo Otacílio de Aquino escreveu:
“Se na terra desapareceu um homem, no céu surgiu um santo: Santo Antônio Mello de Bom Jesus.”
Assim se cumpre o destino: Padre Mello, vindo dos Açores para Bom Jesus, teve seus escritos levados de volta a Portugal. Agora, graças à generosidade do Dr Márcio Pacheco, retornam, como peças preciosas do quebra-cabeça de sua vida, uma história que continua a ser montada, na memória e no coração de seu povo.
Seus escritos retornam à nossa terra, como sinais vivos de que sua missão não terminou. Sua memória continua entre nós, como chama que não se apaga, como luz que conduz nosso povo.
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