Por Gino Martins Borges Bastos
Vivemos em uma sociedade dividida. Os polos se enfrentam com discursos inflamados, mas basta olhar para trás para perceber que muitos que hoje defendem uma posição ontem estiveram no lado oposto. A troca de lugares não dissolve a polarização, ela apenas a repete, com novas cores e slogans.
As vozes que hoje se erguem em uníssono não pedem reflexão, pedem rendição. Querem que troquemos o peso do pensamento pelo conforto da obediência. Mas o ser humano só floresceu quando ousou duvidar. A dúvida foi o motor da ciência, a centelha da arte, a alma da civilização.
Nesse cenário, o cidadão comum é arrastado por forças que não convidam ao pensamento, mas à submissão. É mais fácil seguir a linha imposta do que sustentar a solidão de uma reflexão própria. E assim, pouco a pouco, vamos abdicando daquilo que nos fez humanos: a capacidade de duvidar.
A história nos mostra que nenhum avanço, seja científico, artístico ou social, nasceu da aceitação passiva.
Tudo o que conquistamos como civilização foi fruto de perguntas incômodas, da recusa em tomar o “óbvio” como definitivo. Foi a dúvida que abriu mares, ergueu cidades, inventou caminhos.
Hoje, porém, o questionamento é tratado como ameaça. Vozes dominantes impõem verdades prontas, transformando o debate em trincheira, a crítica em inimiga. De ambos os lados, exige-se adesão cega. E nesse movimento, o que se perde é a própria condição humana que se vê mutilada.
Estamos, portanto, diante de um retrocesso civilizatório. Não aquele que se mede por estatísticas ou indicadores, mas o que se sente no ar: a renúncia da dúvida, o silêncio da consciência, a corrosão do pensamento crítico.
Ainda assim, não é o fim da história. O tempo de sombras também registra resistências. Elas não aparecem em palavras de ordem, nem em frases prontas de redes sociais, mas nos gestos discretos de quem insiste em pensar, em questionar, em amar a humanidade pela via da dignidade.
Porque nenhuma polarização é capaz de calar para sempre a voz íntima da consciência. Ela pode ser abafada, ridicularizada, adiada, mas voltará, como a aurora que ressurge, inevitável, após a noite mais longa.
E talvez seja exatamente esse o nosso compromisso com o presente: não entregar o futuro às certezas impostas, mas devolvê-lo à dúvida que nos mantém vivos.
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