terça-feira, 21 de outubro de 2025

A Voz que o Ódio Calou

 

Daniel Naroditsky, durante o Campeonato dos EUA de 2021

Leontxo Garcia, ícone espanhol de textos sobre o xadrez, informou, no periódico El País, sobre a morte de Naroditsky. um Grande Mestre Internacional de Xadrez, de 29 anos de idade.

Segundo Garcia, "o renomado grande mestre e comentarista americano, que morreu repentinamente na segunda-feira, foi acusado, sem provas, de trapacear por mais de um ano pelo ex-campeão russo Kranmik".

De acordo com o articulista, "a trágica morte de Daniel Naroditsky (nesta segunda-feira, em sua casa em Charlotte, EUA, aos 29 anos) é o resultado mais extremo possível de uma onda de difamação que se tornou tendência". O russo Vladimir Kramnik, campeão mundial em 2000, alega que age assim por motivos morais, "para limpar o jogo de xadrez".

De acordo com Garcia, "o americano Hikaru Nakamura, segundo colocado no ranking mundial de xadrez, tem sido um dos críticos mais agressivos de Kramnik nos últimos meses. Após postar repetidamente comentários como "Esse cara é uma vergonha para o xadrez!", Nakamura reagiu nesta segunda-feira à morte de seu colega e compatriota: 'Repito: Kramnik pode ir para o inferno e apodrecer no inferno.' ".

"Os comentários de muitos outros grandes mestres e jogadores famosos podem ser resumidos por este de uma das jovens estrelas da Índia. Nihal Sarin, de apenas vinte e um anos, falou com a lucidez dos que sofrem:

'As acusações infundadas e implacáveis... causaram-lhe imensa pressão e dor. Isso precisa acabar' ".

Daniel Naroditsky se foi, abruptamente, silenciosamente.

Levou consigo o brilho sereno de quem amava o jogo, e deixou atrás de si um rastro de espanto.

Foi acusado, ferido em praça pública, julgado por vozes que não tremem nem hesitam, como se a verdade fosse brinquedo nas mãos dos impiedosos.

E do outro lado, Kramnik.

O ídolo de outrora, agora símbolo daquilo que destrói o que não entende.

Entre eles, a humanidade dividida, uns lançando pedras, outros sepultando sonhos.

Não sabemos o que será de nossa realidade.

O mundo parece girar sem rumo, arrastando na poeira o que um dia chamamos de decência.

Vivemos entre vozes que gritam e corações que se calam, e o silêncio, esse velho amigo, tornou-se refúgio dos que não suportam mais o ruído.

Mas não acabou.

Nada acabou.

A dor se espalha como vento em campo seco, e quando enfim o fogo se ergue, já é tarde demais para pedir piedade.

A internet, essa praça de ruídos e vaidades, tornou-se o grande tribunal da era moderna.

Nela se vendem honras, se compram aplausos, se fabricam heróis e carrascos com a mesma pressa.

Os insultos ganham curtidas, as calúnias viram manchetes.

E cada palavra lançada com ódio se transforma em faca invisível, que corta fundo e não deixa cicatriz aparente, apenas o vazio.

Vivemos entre o brilho das telas e o escuro das almas.

E é nesse contraste cruel que florescem os canalhas, os que se alimentam do sofrimento alheio e se fingem defensores da moral.

Gritam alto, mas por dentro são ruínas.

Naroditsky não foi apenas um nome a mais.

Foi um espelho quebrado, um aviso.

O mundo, talvez, esteja perdendo não apenas seus sábios, mas também a capacidade de sentir vergonha.

Sim, retrocedemos.

Retrocedemos como civilização, como espécie, como espírito.

Voltamos a adorar o linchamento, aplaudimos a crueldade, rimos do desespero dos outros.

E chamamos isso de liberdade.

No fim, o que resta é o silêncio, o mesmo que vem depois do grito.

O mesmo que cobre a terra depois que o vendaval passa.

O mesmo que guarda, entre lágrimas e poeira, a última pergunta que ainda ousa existir:

Que espécie de humanidade estamos nos tornando?


https://elpais.com/deportes/2025-10-21/la-intrahistoria-de-los-ultimos-meses-del-ajedrecista-naroditsky-muerto-a-los-29-anos-difamacion-y-un-rifirrafe-publico-con-kramnik.html

Leontxo Garcia 





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