A sala dos professores é um espaço onde surgem muitas conversas e, na maioria das vezes, diálogos produtivos e ricos em cultura. Falamos de tudo: do desinteresse generalizado dos alunos pelos estudos, dos pais ausentes que pouco procuram a escola para dialogar sobre seus filhos e alinhar ações, do desânimo dos docentes com os baixos salários, e também de temas sociais, políticos e religiosos.
Outro dia, o assunto foi "antigamente". O professor João, nome fictício, recordou com saudade o tempo em que as famílias eram mais unidas, principalmente ao redor da mesa ou, às vezes, até sem mesa: cada um sentado num banco no terreiro ou numa tora de madeira, mas sempre juntos, partilhando o alimento sagrado. A comida não servia apenas para matar a fome, mas para alimentar os laços familiares.
Em tempos de festa, era aquela correria a semana inteira: matava-se porco, fazia-se linguiça, chouriço, assava-se pernil, depenavam-se patos e galinhas. E no meio de tudo isso, aquele "converseiro" gostoso, muitas risadas, tropeços e abraços. Alguém decidia arrancar um pé de mandioca para fazer um caldo com maçã de peito; outro reclamava que já tinha comida demais e que caldo bastava o da feijoada.
A professora Maria(fictício) lembrou de quando, sem aviso prévio, chegavam parentes de fora, numa época sem "zap", em que se avisava por cartinha. Muitas vezes a carta chegava depois dos visitantes. E era só alegria! A mesa farta, preparada com dedicação e alegria, era uma bênção. Ali se partilhavam conquistas do dia a dia, as dificuldades de uma época sem tecnologia, com dinheiro escasso, mas com fartura da roça e fé em dias melhores, fé em Deus, que tudo governa.
Alguns professores comentaram que não conheceram essa época. Em suas famílias, não havia essa união em torno da comida, cada um vivia em sua casa, em seu mundo. Isso gerou uma reflexão: hoje, os restaurantes muitas vezes substituíram a mesa familiar. Famílias ainda se reúnem, é verdade, mas já não há aquele envolvimento no preparo do alimento, aquele toque das “mãos cheias de dedos” de cada membro da família, aquela “conversa fiada” na beira da pia, enquanto se lavavam as louças.
E não podemos esquecer da sobremesa: docinho de mamão ou abóbora, pudim de queijo ou o tradicional pavê, “é pra ver ou pra comer?” A tarde passava num piscar de olhos, entre piadas, músicas, fofocas e conversas sobre religião, lavouras e animais.
Hoje, no restaurante, tudo já vem pronto. Falta aquela expectativa, o prazer do preparar. Quanta aprendizagem existia ali! Quanta partilha em torno da mesa farta, onde cada um deixava sua contribuição, não apenas no prato, mas no afeto.
(Dedico este texto, principalmente ao professor Amâncio Filho)
Isabel Menezes é professora e historiadora
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